
Lívia e Paulo, com filhos de 1, 10 e 12 anos, em Arroios
Paulo Spranger/ Global Imagens
Lívia Camargo e Paulo Faria, com três filhos menores, têm de sair esta quinta-feira do quarto do hostel onde estão a viver desde que uma divisão da casa onde moravam, em Lisboa, se incendiou.
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De malas às costas, de pensão em pensão, estão desesperados. "Não quero viver à conta dos outros pois tenho trabalho, mas neste momento (o ordenado) não chega para pagar uma casa. O que nos resta é comprarmos uma tenda", lamenta Paulo, que corre o risco de ficar a viver na rua com a família. A Câmara de Lisboa disse ao casal que não têm pontuação suficiente para lhes atribuir habitação e aconselhou-os a concorrerem a outros programas de habitação municipal.
O desespero no olhar de Paulo Faria reflete os dois últimos meses de tormento desta família. Já bateu a todas as portas, à Câmara, Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, várias instituições sociais e partidos políticos e até ao presidente da República, mas em vão. "Já não sei o que fazer", desabafa. O pesadelo começou a 28 de novembro de 2022, quando a casa, onde morava há cinco anos em Arroios, ficou inabitável após uma máquina arder. O senhorio está a fazer obras e deverá aumentar a renda.
"Havia baratas, ratos e muita humidade. O senhorio nunca quis arranjar e agora teve de o fazer e quer subir a renda, logo não devemos voltar", diz Lívia Camargo. Pagavam 450 euros por um T2, valor pelo qual hoje não se encontra um T0 em Lisboa. "A única solução será uma casa da Câmara, mas já nos disseram que não temos pontuação suficiente", lamenta Lívia, acrescentando que um funcionário da Autarquia lhe chegou a dizer que se existisse violência doméstica a pontuação aumentaria. "Foi triste ouvir isso".
Desde que ficaram desalojados, já mudaram quatro vezes de hostel ou pensão, umas vezes pago pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e outras por eles. "Nem tinham passado 24 horas de a casa ter pegado fogo e disseram que o hostel era por nossa conta porque eu tinha recebido o subsídio de Natal", conta Paulo. O funcionário da Higiene Urbana da Junta de Arroios ganha 705 euros, Lívia recebe o subsídio de desemprego e as três crianças recebem ao todo 160 euros de abonos.
Num beco sem saída
No dia de Natal, conta ainda Paulo, tiveram de mudar para uma pensão "cheia de percevejos e sem segurança". "Foi a nossa prenda de Natal", critica. Num beco sem saída, temem o pior. "Vamos continuar a saltar de pensão em pensão até irmos para a rua".
A Câmara diz ao JN que "foi transmitido à família que deverá fazer uma candidatura ao Programa de Arrendamento Apoiado". Contudo, segundo um email a que o JN teve acesso, enviado pela vereadora da Habitação, Filipa Roseta, o agregado já terá submetido uma candidatura a este programa para uma habitação T3, "tendo obtido a pontuação de 41,07, que não foi suficiente para que lhe fosse atribuída".
Santa Casa afirma que falta documentação
A Santa Casa diz que, após o incêndio que deixou a família desalojada, "acionou o alojamento em pensão" e "a entrega de refeições confecionadas". A instituição refere ainda que "foi solicitada ao agregado a entrega de documentação para uma avaliação socioeconómica, a qual, até ao momento, ainda não foi entregue na totalidade". A Misericórdia lembra que é a Câmara de Lisboa que tem responsabilidade em atribuir habitação social, mas, perante a situação de urgência, "tem prestado apoio na procura de uma resposta habitacional". Acrescenta que "está previsto o regresso do agregado ao imóvel onde habitava, assim que executada a intervenção para reparar os danos provocados pelo incêndio".
Três dias na rua
Família diz que ficou três dias na rua, em dezembro, porque Santa Casa pediu para pagarem hostel. Adiantam que já pagaram 10 noites de alojamento.
Câmara acompanha
A Câmara de Lisboa diz que tem acompanhado a situação "no sentido de encontrar uma solução habitacional e de procurar que o casal receba formação profissional e encete um processo de procura ativa de emprego".
Crianças sinalizadas
Segundo o que o JN apurou, o casal corre risco de perder os filhos, que já estarão sinalizados pela Comissão de Proteção das Crianças e Jovens.
