
O festival A Porta prossegue até este domingo, dia 19
Nuno Brites / Global Imagens
Assim que o festival A Porta, em Leiria, anuncia a programação, a primeira iniciativa a esgotar são os jantares temáticos. Independentemente de o menu ser afrodisíaco, vegano, angolano, italiano ou sem-abrigo, ir jantar a casa de alguém que não se conhece, com pessoas que nunca se viu antes, são ingredientes mais do que suficientes para ter a garantia de um serão diferente e, quem sabe, fazer novos amigos.
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Desafiado pela organização a abrir as portas da sua casa a desconhecidos, Jerónimo Magalhães, 45 anos, primeiro estranhou a ideia, mas acabou por aceitar, sobretudo porque as receitas do jantar revertiam a favor de uma instituição. Mesmo antes de os elementos da A Porta chegarem, para darem apoio logístico ao jantar, Jerónimo já tinha a mesa posta, por baixo do alpendre, pois fazia questão de ter tudo a postos com antecedência.
A mulher, Dina Fonseca, 47 anos, encarou a proposta de disponibilizar a casa para o evento como um desafio. "Quem se inscreveu, não sabia para onde vinha, e nós também não sabíamos quem vinha", observa. Apesar de se sentir ansiosa por desconhecer como ia ser a reação das pessoas, respirou de alívio quando a primeira convidada, Telma Fontes, teve uma expressão de agrado assim que entrou no pátio, à entrada do qual não passavam despercebidas plantas com flores vermelhas.
Arte num curral
Logo em frente, o antigo curral da avó foi transformado num espaço dedicado às artes, que Dina fez questão de mostrar aos convidados. Artista plástica, é ali que ensina os miúdos a darem asas à criatividade, não sem antes os treinar a tirarem partido da amplitude de movimentos, já que a maior parte se habituou a ter os braços encostados ao corpo, devido ao uso das tecnologias.
Enquanto Dina e Jerónimo faziam o papel de anfitriões, o chef Rodrigo Cavalheiro, 47 anos, estava concentrado a ultimar a entrada: bruschetta com courgette, beringela e pimentos assados, "temperada só com um toque de sal, bom azeite e pão tostado". Com 20 anos de experiência de cozinha, o brasileiro mudou-se para Portugal em 1998 e tem uma pizaria na Marinha Grande, onde vive, pelo que foi o escolhido pela organização para preparar o jantar italiano, cujo prato principal foi lasanha de espinafres, tomate e ricota.
Sem o apoio da equipa do restaurante, o chef "metade italiano e metade africano", como se autointitula, contou com a ajuda de António Fonseca, de 16 anos, filho de Dina, que deu apoio logístico e decorou com pedacinhos de amêndoa torrada o brownie de chocolate, com creme mascarpone. "Só dei uma mãozinha nas tarefas mais simples", admite. "Gosto de cozinhar e de decorar, e senti-me confortável porque o chef não metia muita pressão."
Vergonha ultrapassada
Natural de Viseu, mas a viver em Leiria, Patrícia Marques, 42 anos, adorou a experiência. "Foi a primeira vez que consegui vaga", conta. Contudo, confessa que nunca se esforçou muito, porque sentia "vergonha". "Achava que me podia sentir uma outsider, mas este ano decidi sair da minha zona de conforto e vir conhecer pessoas novas, que também queriam conhecer pessoas novas", explica. Como companhia, levou o filho Daniel, de 12 anos.
"Perdi o medo de me expor e vou daqui muito feliz, porque vou ficar com números de telefone destas pessoas importantes na minha vida", justifica Patrícia. "Esta ideia [jantares temáticos] é muito porreira. É um bocado aquela coisa de que somos todos iguais. Queremos todos carinho, amor e conviver", concretiza. "Para eles me conhecerem, contei muitos episódios e coisas que, se calhar, não conto a pessoas com quem tenho mais proximidade."
"Éramos desconhecidos, mas saímos daqui conhecidos", confirma Rúben Conde, 28 anos, que foi ao jantar com a namorada Sandra Godinho, também de 28 anos. Inscreveram-se a conselho de uma amiga que "gostou muito" de participar num jantar temático noutra edição do festival. "Agradou-me a ideia de vir conhecer pessoas diferentes e de partilhar histórias e experiências", assegura Rúben. E já ficou combinado que Patrícia os vai reencontrar na festa da Coucinheira, em Amor.
Amigo em comum
Diana Catarino, 33 anos, foi sozinha a casa de Dina e de Jerónimo. "Os meus amigos foram ao jantar afrodisíaco, mas quando tentei inscrever-me já estava esgotado", conta. "Por isso, vim a este. A única pessoa que conhecia era o Rodrigo, porque tocámos juntos há pouco tempo no Wrestling Literário", explica a saxofonista. Contudo, acabou por descobrir que tinha um amigo em comum com Sandra e Rúben, a quem enviou uma fotografia do casal.
"O jantar foi espetacular. A gente fala e alguém conhece alguém [amigos em comum]. Não somos bichos do mato. Temos de falar com as pessoas", explica Diana Catarino. "Além do convívio, a comida estava muito boa. A estrela foi o Rodrigo, mas também gostei muito de ver o cão [dos donos da casa] no palco", brinca. O saxofone ficou em casa, porque também precisa de momentos de lazer.
Esta foi a quarta vez que João Paulo Silva foi a um jantar temático. "Criámos um grupo no whatsApp e ficamos à coca [atentos]", refere, em alusão aos três colegas de trabalho, que o acompanharam. "Ir ao desconhecido e termos contacto com pessoas diferentes é o mais interessante, assim como estarmos numa casa que não conhecemos, onde somos acolhidos de braços abertos", defende. "É uma ideia fora da caixa."
Jantar de caracóis
João Paulo Silva garante que todos os jantares organizados por A Porta foram "espetaculares". No entanto, diz que o mais "desafiante" foi aquele em que todos os pratos foram confecionados com caracóis, até a sobremesa, numa casa junto ao rio Lis, em S. Romão. "Nunca me senti atraído por caracóis. Gostei, mas nunca mais voltei a comer depois disso", assegura.
Além de ter confecionado todos os pratos do jantar, muito elogiados pelos convivas, Rodrigo Cavalheiro assegurou o momento musical do final da noite, na companhia da sua guitarra. Vocalista e baterista da banda Born a Lion, editou o primeiro disco a solo em 2018, "Passarela de relâmpagos". Antes de começar a tocar, explicou que a sua música não era de intervenção, mas de lamento. "A minha mãe se visse isto dizia: Rodrigo, alimentaste as pessoas para as fazeres vomitar depois", brincou.
Apesar de os jantares temáticos só terem decorrido durante dois dias, o festival A Porta prossegue até este domingo, dia 19. O programa pode ser consultado aqui: https://2022.festivalaporta.pt/programa/.
