Corpo do artigo
As linhas de crédito de milhões de euros que têm sido lançadas pelo Governo para reequilibrar o terceiro setor (IPSS, misericórdias) têm tido como parceiro o Montepio. É, aliás, como "parceiro de toda a economia social" que Tomás Correia vê o grupo a que preside. Um parceiro que em tom suave não se ensaia para dizer que o Estado "tem um peso que nos consome". E que, por isso mesmo - e apesar das aparências -, não são as instituições que precisam do Estado, mas o Estado que precisa delas.
Que papel assume a economia social no país?
A economia social tem importância a vários níveis. Desde logo, é uma manifestação de cidadania. São as pessoas que se organizam no terreno e procuram soluções para os seus problemas. Desenvolve-se com proximidade, identifica muito bem o que é necessário e desenvolve ações mais eficazes e diretas. Na prática, as instituições da economia social são o último recurso, as que encontram soluções para muitos problemas sociais. Admito, no entanto, que ainda tenhamos uma dimensão pequena relativamente à dimensão no resto da Europa.
Na sua perspetiva, qual é a razão para isso?
Há, à partida, uma fragilidade da nossa sociedade civil nesse sentido, à qual se juntam os tempos de ditadura, que nos levaram muitos anos. As pessoas não se envolvem em instituições. Há uma tendência para encontrar as soluções pelo lado do Estado. Porém, o advento da democracia abriu novas perspetivas à economia social. Há hoje uma maior consciência da sua importância.
Ainda assim, quando se fala de economia social remete-se quase sempre para o terceiro setor. Fala-se pouco de estruturas empresariais vocacionadas para a solução de problemas sociais sem pertencerem ao terceiro setor...
É verdade. Há, desde logo, uma velha discussão sobre o que é isso da empresa social. Não entro nessa discussão. Pessoalmente, entendo que o conceito de empresa social deve ser um conceito forte da economia social. Não renego as empresas sociais, acho que constituem um instrumento muito válido e em voga no mundo ocidental, em concreto na Europa.
Curiosamente, a figura da empresa social não entra na Lei de Bases da Economia Social que foi aprovada em maio...
A lei de bases é um primeiro passo. Para começar, reuniu unanimidade, o que é raro na nossa vida coletiva. Valorizo mais a unanimidade do que a divergência que levou a que a empresa social não fosse considerada. Esta lei abre portas para a modernização de diversos setores da economia social, para a introdução de novos modelos de organização, no que diz respeito à democracia representativa no seio de algumas organizações. Temos uma lei de bases interessante.
Podemos esperar a criação de empresas sociais com o novo Quadro Comunitário de Apoio?
Acredito muito no nosso futuro. Acredito que as empresas sociais são um instrumento que nós teremos a oportunidade de ver aparecer e crescer, com o novo Quadro Comunitário de Apoio. Há muita coisa que já está a acontecer em Portugal que resulta de uma capacidade empresarial e criativa que não tínhamos e fomos ganhando. Quanto maior for esta tendência, maior será a independência, a sua autonomia face a um Estado que, já vimos, tem um peso tal que nos consome.
Tem é que haver incentivos e depressa, porque temos muito desemprego e muitos jovens qualificados a ir embora.
É verdade. Mas penso que a economia social pode responder e já responde a uma parte destes problemas. Pode e deve criar emprego sustentável e duradouro que valoriza as pessoas.
Como se posiciona o Montepio neste universo da economia social?
A nossa grande aspiração é ser uma instituição parceira de toda a economia social. Não é sermos mais nem menos do que isso.
Sendo o princípio da economia social a sustentabilidade, não lhe parece que o terceiro setor é demasiado dependente do Estado e de linhas de crédito?
Discordo completamente. Olha-se para aquilo que o Estado entrega a estas instituições como uma espécie de donativo para que elas existam. Não é verdade. Estas substituem-se ao Estado na prestação de serviços e o Estado utiliza de uma forma muito mais barata esses serviços para servir os cidadãos. É preciso acabar com o mito de que as instituições são dependentes do Estado. O Estado é que depende delas.
E as linhas de crédito...
Sobre as linhas crédito devo dizer que estas instituições são muito sustentáveis. Utilizando a regra dos 80/20, posso dizer-lhe que estão do lado dos 20% a crédito e 80% de recursos próprios. Se calhar, o tecido empresarial está nas antípodas. Além disso, o incumprimento destas instituições é marginal, nem se dá por ele.
Qual é a expressão do microcrédito no Montepio?
Somos o grupo financeiro mais ativo em microcrédito e somos aquele que tem mais êxito ao nível de projetos com sucesso. Os números do Instituto de Emprego e Formação Profissional apontam para, no geral, uma taxa de insucesso de 22% nas linhas de microcrédito. O Montepio tem apenas 4% de insucesso. Isto é assim porque nós trabalhamos em parceria.
É possível explicar?
Nós não concedemos microcrédito diretamente a um empreendedor que nos apareça num balcão. Trabalhamos com as instituições no terreno e esperamos que estas nos tragam empreendedores e nos garantam que têm capacidade para levar por diante o projeto. Depois, fazemos o plano de negócio, criamos as condições para que os projetos sejam economicamente viáveis.
Quantos projetos apoiou através do microcrédito o Montepio, no último ano?
Teremos criado, nos últimos três anos, através do microcrédito, mais de mil postos de trabalho iniciais.
Pode a economia social crescer e ter a dimensão que tem na Europa?
Não há hoje nenhuma universidade ou politécnico que se interesse por economia social que não tenha um protocolo com o Montepio. Fomentamos o aparecimento de equipas que se dediquem a esta temática nas universidades. Mobilizamos dirigentes de instituições para inscreverem os seus elementos nestas graduações. Acredito que a nossa economia social crescerá à dimensão das suas congéneres na Europa.