"De chapéu na cabeça, o homem desceu para baixo e fez-lhe uma surpresa inesperada. Encarou-a de frente e gritou-lhe alto que tinha a certeza absoluta que ela era uma pessoa humana e nunca decapitaria a cabeça a ninguém. A multidão de pessoas que estava a assistir à estreia pela primeira vez da peça de teatro bateu palmas com as mãos".Este texto é um exemplo exacerbado do uso do pleonasmo.
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O pleonasmo é uma figura de estilo que consiste numa redundância numa expressão. Essa figura de estilo é usada por grandes escritores com o objetivo de enfatizar algo nos seus textos.
É o caso de Fernando Pessoa em "Mensagem", quando diz "ó mar salgado, quanto do teu sal /São lágrimas de Portugal". Neste caso, pretendeu-se realçar o sal do mar e o das lágrimas.
Trata-se, pois, de um pleonasmo literário.
Porém, no dia a dia, verifica-se o uso de outros que são repetições desnecessárias de algum termo ou ideia na frase. Essa não é uma figura de linguagem, e sim um vício de linguagem.
Vejamos alguns exemplos:
"Cego dos olhos": quando se diz "cego" não é necessário referir os olhos.
"Bater palmas com as mãos": quando se bate palmas é sempre com as mãos.
"De chapéu na cabeça": o chapéu usa-se sempre na cabeça.
"Maluco da cabeça": se está maluco, só pode ser da cabeça.
"Subir para cima": subir implica que seja para cima.
"Descer para baixo": descer implica que seja para baixo.
"Entrar para dentro": o ato de entrar é sempre para dentro.
"Sair para fora": o ato de sair é sempre para fora.
"Hemorragia de sangue": a hemorragia é um derramamento de sangue para fora dos vasos.
"Pessoa humana": se se trata de uma pessoa, só pode ser humana.
"Unanimidade de todos": a unanimidade implica que seja de todos.
"Surpresa inesperada": se se trata de uma surpresa, é sempre inesperada.
"Decapitar a cabeça": só a cabeça pode ser decapitada.
"Encarar de frente": quando se encara, é sempre de frente.
"Gritar alto": quando se grita, só pode ser alto.
"Certeza absoluta": Se uma pessoa tem a certeza, ela só pode ser absoluta.
"Cheirar com o nariz": quem cheira, tem de ser com o nariz.
"Elo de ligação": se é um elo, apenas é de ligação.
"Dupla de dois": a dupla é sempre formada por dois elementos.
"Verdade verdadeira": se é verdade, é verdadeira.
"Facto real": quando se trata de um facto, é sempre real.
"Facto verídico": se se trata de um facto, é verdadeiro. Se é verdadeiro, é verídico.
"Multidão de pessoas": multidão é um grupo de pessoas.
"Estreia pela primeira vez": se se trata de uma estreia, então é a primeira vez.
"Panorama geral": quando é um panorama, é uma abordagem geral.
"Prefiro mais": preferir implica gostar mais de alguma coisa.
"Mais melhor": se alguma coisa é melhor, obviamente será mais conveniente.
"Criar novas": quando se cria, é alguma coisa nova.
"Há dois anos atrás": se foi há há dois anos, foi no passado.
"Países do Mundo»: os países estão localizados no Mundo.
"Almirante da Marinha": só existe esta patente na Marinha.
"Demente mental": a demência é uma doença mental.
"Adiar para depois": quando se adia, ficará para depois.
"24 horas por dia": o dia tem 24 horas.
"Conclusão final": se é uma conclusão, é a parte final.
Estas expressões devem, pois, ser evitadas, pois trata-se de pleonasmos viciosos; não pretendem reforçar uma noção já implicada no texto, são antes fruto do desconhecimento do sentido das palavras por parte do falante. O pleonasmo vicioso é muito utilizado na modalidade oral, o que acaba por influenciar a modalidade escrita.
* Professora de Português e formadora do acordo ortográfico