Quantas vezes já nos apeteceu desaparecer, ficar invisível, esfumaçarmo-nos? Esse sentimento de necessidade de invisibilidade é tão depressivo que nos afoga. Mas, o pior de tudo é senti-lo e, por via das obrigações que o Mundo nos impõe, não sermos capazes de o fazer. Desaparecer faz bem, porque, muitas vezes, precisamos de lamber as nossas feridas sem que os outros se apercebam. Porque, muitas vezes, é urgente não sangrar em público. Porque é preciso manter a postura, mesmo que a alma prossiga de joelhos... Quem tem olhos transparentes precisa de ficar invisível, para que ninguém espreite para a alma. O sorriso é uma persiana, mas nem sempre consegue esconder o que se passa lá dentro.
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Às vezes, precisamos de nos encostar a um canto. Precisamos de olhar para o chão. Recolhermo-nos, quase como se entrássemos pela parede e nos colássemos a ela. Como se fôssemos transparentes, invisíveis. Deixar o silêncio estrangular-nos as palavras. Engoli-las até nos entalar e nada conseguirmos dizer. Às vezes, precisamos de desaparecer no chão, calçando de lado a lado as longas ruas. Às vezes, deveríamos ser incolores, ter olhos baços, ser inodoros. Nesses momentos, os minutos sincronizados do relógio são inaudíveis e o tempo não dá sinal de vida... encosta-se a nós e espera ao nosso lado.
Às vezes, precisamos de ser o centro da mesa, a jarra de flores da festa. Precisamos de exalar perfume, de colorir todas as paredes. De gritar todas as palavras de todas as línguas, de as dançar no meio da pista. Precisamos de correr com os pés descalços e sentir a calçada das longas ruas. Às vezes, temos de ter os olhos transparentes, de espelhar a alma, de ser toda a orquestra. Nesses momentos, os minutos sincronizados do relógio batem ao som do coração e mostram-nos que a vida passa. Então, corre ao nosso lado e procura acompanhar a nossa passada.
* Professora de Português e formadora para a área da língua portuguesa
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