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Conhecidos que foram os primeiros números relativos à execução orçamental, o Governo retomou o seu discurso triunfalista. Ora, a verdade é que, mesmo correndo o risco de ser apontado como pessimista, e de fazer parte da lista negra dos derrotistas que não acreditam nos milagres da governação socrática, não consigo descortinar razões de júbilo perante os números apresentados.
A redução do défice foi conseguida exclusivamente através da receita dos nossos impostos, que cresceu mais de 15%. É certo que o mês de Janeiro não chega para tirar conclusões, porque as promoções automáticas na Função Pública têm, nesse mês, impacto significativo, e também é certo que o Orçamento Geral do Estado já previa que a consolidação para 2011 fosse feita em 94,2% à custa das receitas, e apenas 5,8% à custa da despesa. Mas, tudo indica que, mais uma vez, só a primeira parte desses objectivos está a ser concretizado.
O aumento da receita que teve lugar, não tem qualidade intrínseca, nem corresponde a uma virtude efectiva do modelo económico. Ela não resulta do crescimento da economia, nem traduz uma maior capacidade de extrair receita da economia paralela. Deve-se exclusivamente ao aumento nominal dos impostos e resulta do apertar do garrote suportado pelas famílias e pelas empresas, e de que ninguém se deveria vangloriar. É que tendo o Estado o monopólio da cobrança de impostos, pode ir exigindo mais e mais do contribuinte, até ao dia em que a galinha dos ovos de ouro sucumba a tantas provações.
Por outro lado, o comportamento da despesa pública é preocupante. Bastará dizer que o aumento das necessidades de financiamento do Estado e da taxa de juro sobre esse endividamento terão uma repercussão muito superior à poupança que será conseguida através dos cortes na Função Pública, além de que, quer a Segurança Social, quer a Administração regional, irão decerto contribuir para agravar o défice. Ou seja, também do lado dos custos se pode dizer que a única poupança será conseguida através dos cortes nos salários da Função Pública, o que é uma medida semelhante ao aumento dos impostos, já que também sai do bolso das famílias, e contribui para a redução do consumo interno e para a estagnação da economia.
É neste cenário que Sócrates prefere acusar a Oposição de antipatriotismo, ao duvidar das suas receitas, e ao pôr em causa a sua palavra de que não haverá despedimentos na Função Pública. Incontestável, porém, é que o número de funcionários públicos tem vindo a diminuir todos os anos, sem que a despesa primária do Estado sofra qualquer redução. Pior do que isso, na medida em que os cortes nos vencimentos são feitos de forma cega, e afectam aqueles que estão no meio e topo da pirâmide, é verificar que acabam por ser os melhores a sair da Função Pública, o que quer dizer que a qualidade dos serviços tenderá a piorar.
Sócrates também garante que o Estado Social resistirá aos ataques e que não colocará em causa os direitos adquiridos dos portugueses, mas o que a realidade mostra é o aumento progressivo dos impostos sobre quem trabalha, a perda do abono de família, e a completa ausência de medidas de bom senso, como seria a reavaliação do rendimento social de inserção que é visto por um número crescente de portugueses como uma fonte de abusos. A máquina de propaganda do Governo e a persistência do primeiro-ministro podem iludir os eleitores, mas, algures no futuro, e se nada for feito de muito concreto contra isso, o Estado entrará em insolvência. E, nesse dia, a incontinência actual do Estado voltar-se-á decerto contra os seus impenitentes governantes.
