José Sócrates conseguiu em Berlim aquilo que já não encontra em Lisboa faz tempo: um político de Direita que concorde com as medidas de contenção orçamental preconizadas por este Governo.
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E não foi um apoiozito qualquer. Angela Merkel disse o que o primeiro-ministro precisava de ouvir, mas disse, sobretudo, aquilo que um e outro pensavam que os mercados, essas traiçoeiras sanguessugas, ansiavam escutar.
Foram necessárias apenas umas horas para desmentir a bondade da minicimeira luso--alemã. Acto primeiro: a agência de notação financeira Fitch (um dos rostos maléficos dos mercados) devolveu-nos à realidade: num relatório divulgado ontem de manhã, remeteu para uma nota de rodapé o optimismo de Sócrates e de Merkel e ameaçou, preto no branco, que o aflito Portugal será um dos principais prejudicados caso as expectativas do mercado (lá está) saiam goradas pelas cimeiras europeias que se aproximam. Ou seja, se os europeus não ficarem exangues por decisão daqueles que por si foram eleitos, os mercados voltarão à carga. Sem apelo nem agravo.
Acto segundo: ainda os mercados (outra vez) estavam a digerir os elogios de Merkel às medidas lusitanas, impondo uma descida das taxas de juro da dívida portuguesa como não se via há semanas, e já o presidente do Banco Central Europeu, Jean--Claude Trichet, tratava de voltar a baralhar as contas, com um anúncio surpresa de que as taxas de juro podiam levar novo rombo já em Abril. Resultado: quase imediatamente, Portugal voltou a pagar mais caro pelo dinheiro com que se financia.
As agendas de Merkel e de Trichet não têm de ser as mesmas - aliás, não podem nem devem -, mas convenhamos que este episódio é sintomático da ausência de uma política comunitária orientada para os mesmos propósitos.
Tragicamente, não nos bastam as declarações de entusiasmo de Angela Merkel. Tragicamente, não nos chegava se a chanceler alemã decidisse mudar-se para o Terreiro do Paço e emitisse juízos diários favoráveis às finanças de Portugal. Enquanto a Europa não esvaziar o poder das agências de notação financeira e criar uma estrutura comunitária de regulação dos mercados, andaremos entretidos a discutir semântica. Seja em português ou em alemão.
