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De tudo o que tem sido dito e feito a propósito da lenta caminhada do país para o precipício, o que mais me impressionou (mas não surpreendeu) foi mesmo a cartada de antecipação de José Sócrates em Bruxelas. A forma como o primeiro-ministro comprometeu o futuro de Portugal sem consultar o presidente da República, os partidos da Oposição (o próprio PS...) e os parceiros sociais. Reconheço, todavia, engenho ao primeiro-ministro e seus conselheiros. Politicamente, era difícil ter entalado com mais requinte o PSD e o próprio Cavaco Silva.
E eis que chegamos a isto: o primeiro-ministro já comunicou aos parceiros europeus qual será a estratégia de contenção portuguesa nos próximos tempos, mas pode correr o sério risco de ver abortada essa intenção, se o país, como aparenta, se precipitar para uma crise generalizada, com a marcação de eleições antecipadas.
A política de enguia do Governo é tão mais escorregadia quanto se percebe que quer fazer reverter o ónus do pântano para o PSD, de Passos Coelho, e para o próprio Cavaco Silva. Ninguém quer ser o pai da criança. Ninguém quer ficar associado à ideia de voltar a chamar o povo às urnas, ninguém quer ser o coveiro. Muito menos José Sócrates.
Mas, por outro lado, este é o momento certo para o tenaz José Sócrates ir a eleições, enquanto ainda vai tendo capacidade para respirar fora de água, enquanto o próprio PS ainda o vai segurando com uma bóia de salvação no mar revolto.
O drama é que este filme é dos mesmos argumentistas do PEC III, aquele que parecia inegociável, mas cujo desfecho até permitiu registar para a posteridade a imagem dos nubentes do Bloco Central. O casamento entre PS e PSD foi um casamento de conveniência. O casal não andou de mãos dadas, pese embora a coincidência de algumas atitudes, e vive confrontado, de novo, com essa fatalidade chamada atracção natural.
Passos Coelho diz "jamais", Pedro Silva Pereira pede compreensão ao PSD, alegando que o PEC IV não está fechado (porque não foi aprovado em Conselho de Ministros...), que até Abril há novamente espaço para retomar a relação, para discutir o carro, a casa, as contas bancárias. O país, esse, já está conformado: vai ser ele a pagar a factura. E se a paz podre é para durar, então que chamem o FMI. A malta já se habitou à ideia de acrescentar furos ao cinto.
