Para os catastrofistas, espera-nos um caloroso inferno, onde os portugueses arderão devagarinho, numa fogueira colectiva atiçada por aqueles que juram a pés juntos nunca terem pegado num fósforo e combatida pela cada vez menos paciente bombeira Angela Merkel. Para os crentes (chamar-lhes optimistas é, nos dias que correm, um claro exagero), do caos advirá o progresso, do vazio o vislumbre de uma solução miracolosa. Como se a queda de um Governo, deste Governo, especialmente num contexto de grande dependência financeira externa, fosse uma coisa boa.
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Não é uma coisa boa, de facto, mas também não devemos negligenciar o carácter purgante da democracia, de os eleitores poderem desfazer o que podia estar errado, de ousarem confirmar, no limite, aquilo que foi rejeitado. À política o que é da política. E este Governo, em abono da verdade, já não era solidário nem com ele próprio.
Sócrates foi ontem a Bruxelas com um plano que muito dificilmente porá em prática. Foi tratar dos curativos em Inglês. Enquanto isso, o cerco aperta-se, já nos estão a dar o cheque do fundo de resgate para a mão (qualquer coisa como entre 50 mil milhões a 80 mil milhões de euros), a agência de notação que havia garantido que não diminuiria o rating português se uma crise política eclodisse mentiu despudoradamente e ontem voltou a aguçar os dentes, baixando o rating em dois níveis, os juros da dívida sempre a trepar (triplicaram num ano!), o Governo alemão a espumar, ao ponto de dizer, preto no branco, que não há almoços grátis, que já está a perder a paciência, que "a solidariedade não é um caminho de sentido único".
Pelo que se vê por esta rápida mas eloquente amostra, a conjuntura está a castigar-nos. E a dúvida, agora, a julgar pelas consonantes apreciações dos reputados analistas internacionais, está em saber quando vai, afinal, Portugal estender a mão. E, dando a mão a torcer, que anéis ainda nos vão tirar dos dedos para nos emprestarem o dinheiro da nossa salvação.
Uma coisa é certa: o futuro imediato não se construirá com alquimistas (Passos Coelho sabe-o e já tratou de avisar as tropas para um provável aumento do IVA). Portugal não pode ficar refém desse sebastianismo primário típico das histórias que se contam às crianças para adormecer.
O próximo primeiro-ministro fará pior, certamente (pior no sentido de exigir mais reformas e mais sacrifícios). Mas tem a obrigação, e o dever patriótico, de nos dizer a verdade, de não se comprometer com devaneios, de não acenar com populismos tácticos. Na campanha eleitoral que nos bate à porta, os partidos podiam esforçar-se para nos dizerem apenas a verdade e nada mais do que a verdade. Por mais bizarro que isso lhes soe.
