Não votarei nas próximas eleições pelas razões que, sumariamente, apontei no discurso que proferi na cerimónia de abertura solene do novo ano judicial (e que pode ser revisto em <a href="http://www.marinhopinto.net">www.marinhopinto.net</a>).
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Nestas eleições não haverá uma efectiva possibilidade de escolha porque não há alternativa a nada e tudo ficará na mesma depois delas. O país assemelha-se a um navio que há décadas navega em direcção à falência económica e à degenerescência da democracia sem que possamos alterar a sua rota. Só podemos mudar de tripulação. Praticamente todos os actuais partidos já estiveram no governo desde o 25 de Abril, mas os resultados foram sempre os mesmos: dívidas e mais dívidas e a transformação do Estado num monstro ingovernável, engordado pelas sucessivas camadas de clientelas partidárias disseminadas pelos milhares de organismos públicos.
A dívida pública é a mais elevada dos últimos 150 anos e é igual ao nosso produto interno bruto (PIB), enquanto a dívida externa é a maior dos últimos 120 anos. As famílias estão esmagadas pelo sobreendividamento e a maioria delas terá de trabalhar 15, 20 ou mais anos para pagar o que deve, se não optarem pela insolvência. As dívidas das empresas correspondem a 150% do PIB, sendo que só as das empresas públicas representam 25%, percentagem essa que não está contabilizada na dívida pública total.
Os nossos sucessivos governantes não só nos endividaram a todos, como, na sua esquizofrenia gastadora, endividaram também as gerações futuras. Grande parte das despesas públicas que têm sido feitas serão pagas pelas próximas gerações e alguns dos empreendimentos projectados seriam, se concretizados, pagos com os impostos de pessoas que ainda não nasceram. Só as chamadas parcerias público-privadas envolvem cerca de 60 mil milhões de euros (quase 35% do PIB) que serão pagos pelas próximas gerações. A coroar tudo isso temos a pior taxa de desemprego de sempre, a qual ainda vai aumentar mais nos próximos anos.
São muitos o que, neste país, exploram inescrupulosamente os recursos públicos, desde os gestores e as «aristocracias laborais» das empresas públicas, até aos grandes grupos económicos privados cuja riqueza tem aumentado escandalosamente à custa de negócios leoninos com o Estado. A delapidação de recursos públicos nas últimas décadas (grande parte deles transferidos directamente para bolsos privados) constitui um dos maiores crimes de estado, senão o maior, cometido na nossa história quase milenar.
As nossas elites falharam rotundamente e, juntamente com as clientelas partidárias, transformaram-se em verdadeiros predadores dos recursos públicos nacionais. Um administrador de uma empresa de capitais públicos, que teve que abandonar o cargo devido a umas trapalhadas com um processo judicial, recebeu como compensação o mesmo que um trabalhador com o salário mínimo receberia se trabalhasse 265 anos seguidos e o mesmo que um trabalhador com um ordenado mensal de mil euros receberia se trabalhasse 128 anos.
Os fariseus do regime comparam a situação actual com a de antes do 25 de Abril para dizerem que estamos melhor. Pudera! Porém, qualquer comparação honesta só pode ser feita com outros países europeus com a nossa dimensão ou com as metas e os objectivos de desenvolvimento e de bem estar social que a democracia fixou nos seus primórdios. Hoje estamos a afastar-nos dessas metas. A democracia é cada vez mais formal e os cidadãos estão cada vez mais distantes das decisões sobre os grandes problemas nacionais. O debate público está viciado, teatralizado e fulanizado, enquanto as grandes decisões são tomadas quase à sorrelfa. A campanha eleitoral é artificialmente dramatizada com uma gritaria de ataques pessoais entre uns candidatos, enquanto outros se limitam, quais discos riscados, a repetir a mesmas inanidades de sempre.
Nunca umas eleições serviram para tão pouco, nunca a desinformação e a alienação foram tão grandes como hoje. O verdadeiro sobressalto cívico capaz de gerar novas alternativas democráticas pode começar agora, não com um movimento de revolta contra a democracia, mas com um simples gesto de recusa deste pântano em que nos atolaram. A culpa deste estado de coisas não é da democracia mas dos democratas que se apresentam às eleições. Por isso, dizer não a esta farsa eleitoral pode ser o primeiro passo para que o barco mude de rota. Porém, se os portugueses, mais uma vez, quiserem apenas substituir a tripulação, então votem, mas depois não se lamentem.
Há momentos em que é preciso ter a coragem de dizer não àquilo que nos parece irrecusável.