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Segundo consta, o programa da "troika" exige que a muito breve prazo Portugal proceda à redução do número de municípios e de freguesias. Não se conhecem as razões mas imagina-se que seja para gastar menos. E a menos que os prováveis anexos ao chamado memorando de entendimento registem outras razões, só por isso já se compreenderá a medida. De facto, olhando para os números (redondos, para facilitar a memorização do essencial do problema) e admitindo que Portugal ainda tem 10 milhões de habitantes (coisa que amanhã poderá já não ser inteiramente verdade), 400 concelhos e 4000 freguesias, encontramos as seguintes médias: 25 000 habitantes por concelho e 2 500 habitantes por freguesia.
Sabendo-se, como se sabe, que há concelhos para todos os gostos, ou seja, com populações que variam entre os 5000 e os 500 000 habitantes e freguesias muitos maiores, em área e população, do que muitos concelhos e, ainda por cima, sem que entre uma coisa e outra haja qualquer relação, só podemos concluir que o modelo de organização que temos é, no mínimo, bizarro. Mas se, a este quadro, acrescentarmos que, apesar de todas estas diferenças, todos os concelhos e todas as freguesias têm, respectivamente, as mesmas competências mas orçamentos e outros meios absolutamente distintos, então, forçoso é concluir que a irracionalidade é rainha e que o mínimo que há a fazer é mesmo mudar as coisas. O problema, porém, não é o de mudar mas, antes, o de saber mudar.
Quer isto dizer que a solução passa, antes de mais, pela simples redução do número de concelhos e de freguesias? Não. E não porque o problema é muito mais de qualidade do que de quantidade. Ou seja, o problema é muito mais de estabelecer equilíbrios entre realidades diferentes do que igualizar coisas não são nem nunca serão iguais. Porque a verdade é que Portugal é, desde logo, e em matéria de diversidade, um território sui generis que, como sabemos - mas talvez a "troika" não saiba - se caracteriza por uma contínua e rara variabilidade cultural, geográfica e humana a que dificilmente se ajusta uma única solução ou um só modelo. Como muito bem o leu e compreendeu o professor Orlando Ribeiro, aliás. Depois, porque, como também todos sabemos, há mais vida para além dos números e os atrás citados não são mais do que uma parte da realidade que não pode dispensar nem esquecer as pessoas e, portanto, os lugares, a história e a cultura que faz de qualquer povo algo mais do que uma simples "unidade de produção". E por fim, porque também é preciso saber como é que estas instâncias de organização de que agora estamos a falar (concelhos e freguesias) se articulam entre si e com as outras que, acima e abaixo (bairros, distritos e/ou regiões), também contam para o campeonato.
Finalmente, não podemos deixar de reflectir sobre a correspondência que há entre concelho e freguesia e planeamento e serviços à comunidade. Ou seja: Portugal tem o seu planeamento assente em Planos Directores Municipais (PDM) que - para o bem e para o mal - continuam a ser a única figura de planeamento de que dispomos e a sua sociabilidade mais básica assente na freguesia e no tecido associativo local que é débil e muitas vezes por de mais desconsiderado mas que é o de maior proximidade e o que mais contribui para a existência de coesão, solidariedade social e espírito de comunidade.
Por isso, a questão dos concelhos e das freguesias não é uma simples questão de números. Nem coisa para ser feita do dia para a noite e sobre o joelho. Ou só porque há crise. Ou só porque sim. Ou, o que é pior, só porque alguém nos manda fazer. Mas também é verdade que temos de começar por algum lado. Começar é bom mas convém muito que saibamos muito bem por onde e para onde queremos ir.