Hoje, ninguém recomendaria a ninguém que se ficasse pela escolaridade básica, até mesmo pelo ensino secundário, e se lançasse à conquista do mundo de negócios. Ou de qualquer outro, real ou virtual, por mais que pudesse parecer estar à mão de semear. O mais aproximado desse tipo de quimera vive no mundo televisivo dos "reality shows" com os seus ídolos de pés de barro que rapidamente se transformam em notícias trágicas e cujas identidades apenas interessam aos teledependentes capazes de identificarem os episódios.
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Se tivesse nascido hoje seria mesmo muito improvável que Salvador Caetano conseguisse construir o mundo de negócios que lhe conhecemos e sobretudo do modo fabulosamente desalinhado como foi traçando o seu próprio destino. A ponto de nos deixar o inestimável legado de confiança quanto ao que jamais poderá ser moldado, uniformizado e transformado em actor da globalização: a raça humana.
Na verdade, o percurso de Salvador Caetano não vem nos livros. E, no entanto, deveria ser estudado, pelo menos. Não para detectarmos em que dia da sua vida se fez o homem a pulso, naquela imagem de que tanto gostamos para tentar provar que o pobre pode ser rico apenas à custa de muito trabalho. Mais para percebermos que o grande empreendedor que conhecemos realmente não tinha a escolaridade que apresentava o seu currículo, porque à quarta classe juntou de moto próprio muita leitura de clássicos como Eça, Ramalho ou Guerra Junqueiro e algumas representações nos palcos do teatro amador que eram uma das poucas animações dos anos bafientos do Estado Novo.
Na verdade, a vida e obra de Salvador Caetano deveriam vir em algum livro desses que pretendem tratar os mistérios dos predestinados e as complexas teorias com que se fazem os grandes líderes. Também dariam matéria de sobra para aqueles que ainda se aplicam a estabelecer padrões de escolaridade e ensino ou a desenhar a régua e esquadro as fronteiras entre o é que é do Homem e é do Estado.
O empreendedor que nos deixa - e deixa a região Norte ainda mais pobre - chegou onde chegou porque teve acima de tudo raça.
A raça de não se render ao seu berço de pobreza, o que lhe permitiu ler o mundo muito para além das paredes da escolinha da terra onde, como o próprio definiu, "até os ricos eram pobres, pelo menos pobres de espírito".
Foi, de resto, essa raça que lhe deu aquele assomo de coragem para poder desancar um secretário de Estado da ditadura e desse modo acabar por conseguir ser o importador dos automóveis Toyota, estilhaçando um dos pilares do regime: o Condicionamento Industrial.