Duas semanas depois de ter escrito, nesta coluna, sobre o Metro do Porto, eis que tenho mais uma boa razão para escrever sobre uma empresa que, apesar das más-línguas, algumas locais, teima em se afirmar pela diferença, e que deve ser olhada, a par do aeroporto Francisco Sá Carneiro, como um exemplo para todo o país.
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Enquanto os trabalhadores das outras empresas de transporte de passageiros entravam em greve, complicando a vida a muitos portugueses que, por norma, não gozam sequer das suas benesses, os trabalhadores do Metro do Porto apresentaram-se ao trabalho e cumpriram com as suas obrigações. No mesmo dia, um grupo de entre eles tornou público um manifesto a explicar as razões pelas quais se recusavam a aderir a essa paralisação. Na verdade, uma só: os trabalhadores da Metro do Porto pretendem que se olhe para os méritos da empresa e do seu modelo de gestão e declaram, em dia de greve, que não abdicam dos seus direitos e que assumem o compromisso solene de cumprir com todas as suas obrigações. Como se assinala no documento, a Metro do Porto é "uma empresa que se rege por um modelo de gestão idêntico ao do melhor sector privado". Relembra-se, ainda, que, na sua empresa, "nunca houve aumentos salariais equivalentes aos da Função Pública, apenas cortes salariais equivalentes aos da Função Pública".
Sem pretender reinterpretar este grito de revolta, creio que merece uma leitura atenta de muito dos nossos políticos, e em particular pelo senhor presidente da República, porque ajuda a destruir os raciocínios mais enviesados sobre a questão da equidade no que diz respeito à repartição dos sacrifícios. Não me parece justo que, numa altura em que o Estado tem um problema financeiro que o obriga a reequilibrar as suas contas públicas, sejam os políticos a reclamar a solidariedade dos trabalhadores privados, que têm vindo a ser os mais discriminados. Não me parece que se possa olvidar a segurança e conforto entre os trabalhadores do Estado, cujo vínculo é inatacável, equiparando-os aos trabalhadores do sector privado, sempre à mercê da falência das suas empresas, que os lança no desemprego. Bastará, aliás, para comprovar este argumento, avaliar que percentagem dos desempregados tinham vínculo laboral no sector privado, e quantos tinham um vínculo efectivo ao sector público. Não me parece que o senhor presidente da República ou o líder do Partido Socialista tenham algum dia questionado a equidade nessa questão, ou se tenham perguntado por que razão uns têm de trabalhar até aos sessenta e cinco anos para atingirem a idade de reforma, enquanto outros se reformaram pouco depois dos cinquenta, ficando muitas vezes a acumular essa reforma com a receita da prestação de serviços, a recibo verde, a instituições onde antes trabalhavam.
É evidente que o ajustamento da despesa do Estado através do corte salarial aos seus trabalhadores é muito violento, e tem o demérito de ser cego, o que o faz injusto em muitos e muitos casos. Prejudica, principalmente, aqueles - e são muitos - que não se deixam impregnar pelo facilitismo, que lutam para fazer mais e melhor, que têm honra em desempenhar as suas funções, que compreendem o significado do serviço público. Mas, no sector privado, quando se gasta mais do que aquilo que se pode, o ajustamento é muito mais duro, porque resulta na falência e no despedimento colectivo, que é muito mais injusto.
Para além do mais, o manifesto dos trabalhadores da Metro do Porto complementa muitos dos argumentos que aqui invoquei, há duas semanas, em defesa da empresa, e desmonta algumas das críticas injustas que têm sido apontadas à Metro do Porto, muitas vezes pelos defensores do centralismo lisboeta, que é cada vez mais portofóbico.
Há dias assim, em que tenho a honra de ser portuense, porque sei o que vale a nossa cidade e o carácter das suas gentes, e sei o que isso pode significar de exemplo e de diferença nestes tempos de crise. O que, de resto, sempre sucedeu nestas alturas...