Quando, há seis anos, saiu a lei do tabaco, os portugueses reagiram com normalidade. Foi acatada por todos, contra o que é comum num país onde as leis raramente são cumpridas. Os não-fumadores aplaudiram a iniciativa. Os fumadores, até os mais empedernidos, compreenderam que os malefícios do seu vício não podiam ser impostos aos outros. Já se tinham habituado a não fumar nos aviões e em muitos locais, conheciam os riscos que correm os fumadores passivos, sabiam que causavam incómodo. Para muitos deles, foi uma excelente oportunidade para deixarem de fumar.
Corpo do artigo
Entretanto, cafés, restaurantes, bares e discotecas fizeram as suas escolhas. Houve empresários que se decidiram por não investir, e fizeram dos seus estabelecimentos locais onde não é permitido fumar. Outros houve, porém, que optaram por se adequar à nova lei. Em muitos casos, fizeram investimentos avultados que, como se sabe, têm de ser amortizados, recorreram a empresas especializadas, instalaram sistemas caros e alteraram a organização dos seus espaços. Como se não bastasse, tudo isto coincidiu no tempo com outras medidas impostas pela ASAE que, por boas razões, mas com algum exagero, obrigaram os mesmos empresários a fazer outros investimentos.
Entretanto, a crise chegou, os portugueses apertaram o cinto, e as restrições ao consumo tiveram impacto imediato no sector. Recentemente, os empresários tiveram também de se adequar ao novo OE para 2012. Para financiar o défice das contas públicas, o sector viu-se confrontado com um violento aumento na taxa de IVA, que o penaliza fortemente, numa altura em que a recessão já tinha um efeito depressivo no negócio. Para muitas pequenas empresas, a única solução possível foi a de assumir o encargo fiscal adicional, na medida em que as condições de mercado não lhes permitiria repercutir o imposto no preço final.
Não precisavam, por isso, de outra má notícia. Sucede, porém, que há sempre quem, a pretexto das boas práticas, e das preocupações com a saúde pública, necessite de mostrar empenho que, de resto, fomenta a encomenda de estudos, gera alguns tachos e alimenta coutadas. Em função disso, eis que surge, agora, a intenção de alterar a lei, para proibir o consumo de tabaco em todos os espaços públicos fechados. O proibicionismo chegou ao ponto de haver técnicos que sugerem que deve ser proibido fumar no exterior dos estabelecimentos, alegando que o fumo pode entrar por qualquer porta ou frincha. Claro que ninguém questiona se o fumo dos escapes dos automóveis não tem igual impacto, e se o excessivo consumo de açúcar ou de carnes com hormonas não causará efeitos tanto ou mais nocivos para a saúde pública.
Ora, o efeito desta medida na restauração será letal. Os fumadores serão afugentados, mas ninguém indemnizará os proprietários pelos investimentos que não puderam recuperar ou amortizar. A "asaização" da economia, carregada de fundamentalismos variados, a isso obriga. E, na medida em que a maioria dos portugueses já não fuma, ninguém questionará seriamente a instabilidade legislativa; uma maleita que origina que não se invista, que não se crie emprego e que se transfira empresas para o estrangeiro, como sucedeu com a família Soares dos Santos. Ou, pior do que isso, que incentive o incumprimento da lei.
Enquanto o Estado legisla e dita, a torto e a direito, ninguém se lembra de o responsabilizar. Soube-se, entretanto, que mais 117 000 beneficiários da Segurança Social estão a ser intimados para devolver subsídios de desemprego e de inserção social que receberam nos últimos seis anos. Muitas dessas pessoas, que não sabiam que se tratava de um engano, utilizaram essas verbas para as suas primeiras necessidades. Agora, a pronto, ou em prestações, estão intimados a encontrar forma de devolverem o que comeram. Terão de o fazer, é certo e sabido, e de forma cega. Mas, como sempre acontece, na pátria da impunidade, ninguém no Estado será intimado a pagar, ou sequer a explicar a razão desse erro. É este, afinal, o Estado ladrão que temos.