Comprometi-me no artigo do último sábado, que intitulei "Os acidentes acontecem?", a voltar ao tema da saúde e segurança no trabalho para deixar sugestões e propostas que possam contribuir para a redução dos acidentes de trabalho e de doenças profissionais. No actual contexto de crise, a saúde e a segurança dos trabalhadores tendem a ser ainda mais secundarizadas, correndo-se o risco de um aumento exponencial de mortes e acidentes no trabalho.
Corpo do artigo
O conceito de Saúde e Segurança no Trabalho (SST) integra a promoção da saúde e da qualidade de vida dentro e fora do espaço da prestação do trabalho. A articulação entre os conceitos de promoção da saúde, de bem-estar e de qualidade de vida, é indispensável.
Existe uma evolução contínua nos objectivos da promoção da saúde no trabalho, que na actualidade se devem situar nos seguintes campos primordiais: (i) prevenção de acidentes de trabalho e de doenças profissionais; (ii) adaptação do trabalho aos trabalhadores, pois o trabalho tem direitos e deveres que jamais podem permitir transformar o trabalhador em máquina; (iii) cuidados de saúde primários, que podem ser mais eficazes se presentes no local de trabalho; (iv) promoção da saúde, do bem-estar e da capacidade funcional no trabalho; (v) prevenção de doença evitável, de lesão e de incapacidade nas mais diversas áreas; (vi) evitar situações geradoras de absentismo e de perda de produtividade e competitividade nas empresas e serviços públicos; (vii) antecipar ganhos em saúde (eliminar risco cardiovascular, redução de lombalgias, etc.); (viii) reduzir custos humanos, valorizando a efectividade do direito à saúde e o custo relativo ao benefício obtido.
Um olhar sobre as políticas para a SST que podemos observar em Portugal conduzem-me a expor quatro considerações fundamentais.
Primeira, as políticas e as práticas que vêm sendo seguidas privilegiam a dimensão securitária, ao mesmo tempo que penalizam, de forma crescente, os acidentados do trabalho e as vítimas de doenças profissionais. Entretanto, tarda um investimento sério na dimensão saúde voltada para o objectivo preventivo.
Segunda, é indispensável a existência de serviços de saúde/médico do trabalho nas empresas, trabalhar a informação junto dos trabalhadores, dar-lhes formação e induzir-lhe responsabilização sobre os riscos profissionais. O local de trabalho, espaço social por excelência, deve ser privilegiado no desenvolvimento de políticas de prevenção e de promoção da saúde. É indispensável estudar o meio ambiente e os riscos profissionais nos locais de trabalho, articulando esse trabalho com a acção das administrações de saúde locais.
Terceira, no espaço do trabalho cabe em primeiro lugar ao patrão (empregador) a responsabilidade de promover as condições de trabalho saudáveis e prevenir as doenças profissionais e os acidentes de trabalho. As normas da OIT e a legislação específica são muito claras nesta matéria, mas os objectivos do fundamentalismo económico e financeiro imediatista criam práticas de sinal oposto.
Quarta, uma política que cuide da saúde das pessoas, fora e dentro do trabalho, é uma obrigação em democracia: o indivíduo trabalhador tem de ser cidadão pleno, fora e dentro do espaço de trabalho. Reforçados cuidados de saúde no espaço do trabalho propiciam significativos ganhos para a sociedade, designadamente em custos económicos, e vantagens para a produtividade numa perspectiva estratégica. Um trabalhador com saúde (física, mental, social) e motivado não só produz bem, como inova e atribui mais valor acrescentado ao que produz.
Os médicos de família, e os de cuidados de saúde primários, devem conhecer e dar atenção aos riscos profissionais e às condições do ambiente de trabalho das pessoas que acompanham e assegurar uma articulação regular com a acção dos médicos do trabalho. O cidadão/trabalhador não pode nem deve ser tratado aos "bocadinhos". O corpo é um só e a saúde constitui elemento total da sua existência e actividade, pois ela é o bem social de maior importância.