A sobreposição dos interesses económicos à ladainha da ética e da moral dita um universo de cinismo nas relações internacionais, Estado a Estado, bloco a bloco. Ditando a substituição do enunciado ideológico pela satisfação da necessidade, a maioria dos líderes à escala internacional esboça um encolher de ombros e dá cambalhotas pela via da mais simplória das desculpas: "real politik".
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O cardápio dos Direitos Humanos é, para todos os efeitos, o mais impactante dos argumentos de circunstância... antes do oportunismo. As intervenções da comunidade internacional na Líbia de Kadhafi ou no Iraque de Saddam Hussein são paradigmáticas. Os ditadores foram apoiados - e, até, idolatrados - enquanto alimentaram a indústria petrolífera e de armamento do Ocidente; quando passaram a ousar ou deixaram de estar sob o controlo das negociatas descobriu-se-lhes, por fim, um cardápio pecaminoso e arranjou- -se maneira de exterminá-los. Pouquíssimos resistem....
Os ditadores acabam, pois, por ser bons ou maus, consoante a conjuntura. Os intocáveis defensores dos Direitos Humanos e da defesa do estabelecimento da Democracia mudam de posição em função do gigantismo dos interlocutores ou do seu próprio estado de penúria.
O caso da República Popular da China é o mais vincado de todos. Apesar de tentar construir o modelo um país dois sistemas, o gigante asiático comete tropelias a regras básicas de civilização, sejam elas de dignidade humana ou de liberdade de expressão e pensamento, mas, enfim, cada vez mais tudo se lhe perdoa. Basta serem os chineses os principais financiadores - e credores -, para o combate ao seu modelo não passar do simples estrebuchar de parte significativa do mundo ocidental, rico nos princípios, mas deficitário nas contas....
Portugal é uma impressiva partícula do macrocosmos cínico internacional.
Não obstante uma relação secular com o Oriente, via Macau, não deixou de ser (uma vez mais) exemplificativo o dia de ontem.
Enquanto na China, julgada num só dia, a senhora Gu Kailai, advogada e mulher de um dos membros do Partido Comunista tidos como potenciais líderes da China, mas entretanto caído em desgraça, era condenada à pena de morte - suspensa por dois anos! - por ter estado envolvida no homicídio de um empresário britânico, em Lisboa jorrava a pompa e a circunstância na cerimónia de formalização de um empréstimo de mil milhões de euros do China Development Bank Corporation à EDP.
Poderão parecer minudências, mas não. Por um lado, ninguém tugiu nem mugiu sobre os atropelos aos Direitos Humanos na China e, por outro, cantaram-se hossanas por um empréstimo sequencial à parceria estratégica através da qual a China Three Gorges Corporation adquiriu 21,35% de capital da EDP por 2,7 mil milhões de euros. Assim como assim, expôs-se a "real politik". Com a particularidade de se ter considerado como parte do processo de privatizações a entrada do Estado chinês na EDP. Também está bem.