A acreditar nos números que segunda-feira fizeram a agitação do dia na TSF, no último ano, 65 mil portugueses e portuguesas com idade compreendida entre os 24 e os 35 anos saíram de Portugal. Como se repetiu nesse dia até à exaustão, emigraram.
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Como já aqui se escreveu, o nosso primeiro-ministro, que adivinhou avisadamente o que se iria passar, não devia ter dito o que disse na altura, por ser quem era, mas apesar disso convinha não abusarmos da nossa tradicional pieguice quando nos referimos a esta nova vaga de emigrantes. Porque eles são todos iguais, todos diferentes.
Vou começar por dar dois exemplos que conheço de perto, para tentar situar melhor a questão, tal como ela se põe hoje.
Tenho um amigo que tinha um excelente emprego em Portugal, ocupando um alto posto de direção numa empresa editora de livros. Reconhecidamente competente, quando os acionistas maioritários dessa empresa decidiram que estava na hora de a internacionalizar, convidaram o meu amigo para dirigir essa operação, o que implicava a sua "emigração" para o Brasil. Onde hoje se encontra, feliz da vida. E a quem eu desejo a maior sorte do Mundo.
Tinha uma colaboradora que trabalhava comigo há vários anos e sem que eu tivesse a mais pequena intenção de a dispensar (porque era precisa e porque era muito competente e cumpridora) veio ter comigo e anunciou-me que ia "emigrar". O seu marido e pai dos seus três filhos tinha decidido aceitar um emprego no Sul de Espanha e a mudança da família era imperiosa. Acontece que o marido da minha colaboradora já tinha trabalhado nos três anos anteriores em Paris e Madrid, mas a facilidade de deslocação entre estas duas capitais e o Porto nunca tinha tornado a mudança urgente, ao contrário das perspetivas de uma vida em comum com pior qualidade, por falta de boa logística entre o novo trabalho no Sul de Espanha e a nossa capital do Norte.
A este casal que nos deixou também desejo todo o sucesso do Mundo.
A partir destes exemplos, que não esgotam o perfil de todos os novos emigrantes, claro, gostaria contudo de tecer algumas considerações sobre a nova emigração.
Desde logo quando falamos da Europa e de casos como o do marido da minha ex- -colaboradora, é preciso que se diga que muitos dos 65 mil que abandonaram Portugal, na verdade foram à procura de melhor oferta no mercado de trabalho natural que todos nós aceitamos criar, nas várias vezes em que ratificamos os nossos passos em direção à União Europeia. Ou foram atrás de quem fez isso, como no caso dela.
Quando sei de um bracarense que foi trabalhar para a Corunha, sem ter de passar "a salto" a fronteira, sem ter de permanecer clandestino em Espanha e podendo voltar a Braga enquanto o diabo esfrega um olho, olho para ele como olho para muita gente que conheço do Porto, que trabalha à semana em Lisboa e vem ver a família aos fins de semana. Ou como olhava para a família da minha ex-colaboradora quando tinha o marido em Paris ou Madrid.
Já não devem faltar muitos anos para deixarmos de olhar para estes números da "emigração" com a boca tão aberto. Do mesmo modo que não vi muita gente de boca aberta nos anos em que fomos invadidos por romenos, ucranianos, russos ou kosovares.
Vivemos uma época de invasões pacíficas e sobretudo na Europa, de total mobilidade no trabalho. Mas também de cabeças formatadas para outros voos e outras vidas. Quando me comparam estes cérebros que andam a viajar pela Europa à procura de quem lhes dê mais pelo que têm para oferecer, com os emigrantes do tempo da outra senhora, que passavam a salto a fronteira para fugir à tropa ou ir encontrar em França ou na Alemanha meios para sustentar toda a família, só me dá vontade de rir.
De uma vez por todas, temos de perceber que nem todos os novos portugueses têm o sentido de gratidão à Pátria do nosso ministro das Finanças, que está apostado em devolver ao país tudo o que Portugal lhe deu. Com juros.