O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto condenou o Ministério da Justiça a pagar a uma procuradora dos Juízos Cíveis do Porto a remuneração mensal devida a título de acumulação de funções desde 2003 até 2010.
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A decisão, subscrita por três juízes daquele tribunal, foi proferida no dia 3 deste mês e nada teria de anormal não fosse a circunstância de a magistrada em causa ser a mulher do antigo ministro da Justiça, Alberto Martins e de a questão ter sido alvo de controvérsia pública após a demissão, em 2010, do antigo secretário de Estado da Justiça, João Correia. Na verdade, na sequência dessa demissão, alguns órgãos de informação (com destaque para o diário "Correio da Manhã" e o semanário "Sol") lançaram sobre Alberto Martins suspeitas de favorecimento da mulher. Mas vejamos, então, os factos.
A magistrada em causa, Maria da Conceição Fernandes, exercia funções de procuradora-adjunta no 2.º Juízo Cível do Porto desde 15 de setembro de 2000. Nesse tribunal havia (e há) quatro juízos, cada um com três secções. Em cada um dos juízos estava colocado um procurador-adjunto. Três anos mais tarde, em 15 de setembro de 2003, em face da transferência para outro tribunal do procurador titular do 1.º juízo, a hierarquia do MP determinou que todo o serviço deste juízo ficasse a cargo dos outros três procuradores, entre os quais Maria da Conceição Fernandes. Essa possibilidade está prevista no artigo 63.º, n.º 4 do Estatuto do MP, estabelecendo o n.º 6 desse artigo que os procuradores que acumulem funções por período superior a 30 dias têm direito a uma remuneração a fixar pelo Ministério da Justiça, entre os limites de um quinto e a totalidade do vencimento.
Em 8 de outubro de 2007, Maria da Conceição Fernandes requereu ao Ministério da Justiça que lhe fosse atribuída a retribuição suplementar pela acumulação de serviço. Cinco meses mais tarde, o seu direto superior hierárquico emite um parecer negativo, considerando que o trabalho desenvolvido pela requerente não se afastava do que em média era exigido a um magistrado do MP em exercício de funções e que o grau de dificuldade naqueles juízos "não apresenta grandes questões de natureza jurídica" (sic). Em 14 de abril de 2008, o vice-procurador-geral da República, "em face das informações da hierarquia", indeferiu o pedido, posição que reiterou em novo despacho de 11 de maio seguinte. Em 21 de outubro de 2009, o Ministério da Justiça pronuncia-se, finalmente, sobre o requerimento através de um despacho do secretário de Estado Adjunto e da Justiça em que, invocando o parecer negativo da PGR, negou a atribuição do suplemento remuneratório pedido, considerando "não se encontrarem reunidos os pressupostos de uma acumulação de funções". Maria da Conceição Fernandes recorreu, então, ao tribunal, propondo a competente ação administrativa em 22 de fevereiro de 2010.
Entretanto, Alberto Martins e João Correia tomam posse, respetivamente, como ministro da Justiça e como secretário de Estado da Justiça, tendo este último proferido, em 7 de junho de 2010, um despacho autorizando o pagamento do mínimo legalmente previsto para a acumulação de serviço em causa. João Correia tinha sido advogado do sindicato do MP e nessa qualidade defendera com êxito essa pretensão em tribunal em nome de outros procuradores. No final desse ano, porém, o secretário de Estado demite-se e pouco tempo depois o assunto aparece na Comunicação Social que acusa Alberto Martins de favorecer a mulher. Em 29 de março de 2011, Alberto Martins revoga o despacho de João Correia e algum tempo depois a sua mulher prossegue com a ação judicial que agora lhe deu toda a razão.
Apenas duas notas, já que os factos falam por si. A primeira para salientar como se decide na hierarquia do Estado. Basta alguém proferir uma decisão, por mais medíocre que seja, para que depois todos os hierarcas a invoquem acriticamente.
A segunda nota é para salientar o nível a que desceu a luta política e certo jornalismo em Portugal. Um secretário de Estado demite-se e, vingativamente, tenta responsabilizar o ministro por uma decisão que era exclusivamente sua. Tudo sem que a Comunicação Social discernisse o que estava em causa.