Alvarice | s. f. 1. Ato ou dito falho de bom senso; insensatez. 2. Comportamento de alguém que, sob pressão, se descontrola em situações públicas. 3. Orig. Do nome de um ministro português do início do século XXI conhecido pelo linguajar fácil.
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Há três dias, o ministro da Economia foi ouvido em audição em comissão parlamentar. Não podia ignorar que um dos tópicos do dia era a muitíssimo contestada nomeação de Franquelim Alves como secretário de Estado. Na verdade, o senhor em causa foi administrador da SLN, que controlava o BPN de miserável memória. Ora, mesmo que exercidas de forma virginal tais funções, não seriam elas, por certo, o cartão de visita ideal para ascender a tarefas governativas. Mas, adiante: não serei eu a atirar pedras.
No Parlamento, Álvaro Santos Pereira defendeu de forma apaixonada o secretário de Estado. No Parlamento, com um talento raro, se espatifou ao comprido. Podia o ministro ter-se limitado a reafirmar que Franquelim Alves é competente, que a escolha era sua, tinha sido sufragada pelo primeiro-ministro e depois confirmada pelo presidente da República, quando o nomeou? Podia. A justificação seria formal (e não política) mas, apesar de tudo, não violentava a razoabilidade. O problema é que o ministro tem alergia profunda ao bom senso, e mais uma vez o confirmou.
Em vez de prudente e recatada, a sua estratégia consistiu em jogar ao ataque, em vitimizar Franquelim Alves e em travesti-lo numa espécie de "Garganta funda" (como no caso Watergate), herói anónimo que muito contribuíra para que fosse investigada e desmascarada a fraude do BPN. E deu a estocada final, revelando a "prova" que faltava: a 2 de junho de 2008, Franquelim Alves enviara uma carta ao Banco de Portugal onde reportava estas irregularidades do BPN.
O ministro não se ficou por aqui: esteve tristemente imparável. Em resposta a uma deputada, não teve pejo em recorrer a uma imagem execrável: "o Trotsky [Franquelim Alves] também foi culpado pelos crimes do Estaline [Oliveira e Costa, supõe-se]"? E, antes, declarara alto e bom som: "O populismo e a demagogia têm limites, senhor deputado!"
Imagino que o populismo e a demagogia tenham limites. Mas Álvaro Santos Pereira ainda deve estar a tentar descobri-los. Porque, no que afirmou de mais relevante e "inovador", há um pequeno problema, uma coisa de somenos: é quase tudo falso.
É falso - e, repito, não estou a julgá-lo - que Franquelim Alves tenha em tempo útil denunciado as patifarias do BPN. Diferentemente, como ele próprio reconheceu várias vezes quando a 24 de março de 2009 foi ouvido na Comissão de Inquérito do BPN, sabia e calou, porque entendeu que os factos ainda não eram suficientemente claros ou ainda não dispunha de informação consolidada. Leiam-se, em demonstração, as 224 páginas da Acta da audição, consultem-se, entre outras, as págs. 18-19, 21 a 23, 29 e segs. e, sobretudo, 31 e 32.
Não é também verdade que Franquelim Alves tenha escrito a carta ao Banco de Portugal acima referida. Existiu uma carta, naquela data: mas foi assinada por outros, e ali não se denunciava rigorosamente nada, antes se respondia, já com o escândalo a vir ao de cima, sobre a propriedade do Banco Insular, um buraco financeiro maior do que o rombo do Titanic.
O ministro mentiu de forma dolosa? Terá alucinado, não podendo deixar de saber que logo seria desmentido pelos factos? Não creio. Manifestamente, quando fala, Santos Pereira fala sem pensar; quando argumenta, fica cego e dispara o que for preciso, corresponda ou não à realidade, seja ou não um suicídio público. Do ponto de vista ético ou até moral, esta característica é (apesar de tudo) preferível à do mentiroso relapso. Mas não é menos preocupante, sabendo-se que estamos a falar de um ministro do Governo de Portugal. Essa não é uma questão menor, está no coração da política e do seu infeliz desprestígio.
Há vários séculos, Savinien Cyrano de Bergerac disse que "há muitas pessoas cuja facilidade em falar vem apenas da incapacidade de se calarem". Tinha razão na altura, razão tem hoje. Nem que seja porque existe Álvaro Santos Pereira.