De que é que vou tratar hoje? Da vogal que é consoante. Mau. Mas é vogal ou é consoante, perguntará o leitor que, além de saber ler, aprendeu a diferença entre as vogais e as consoantes do nosso alfabeto. Uma vogal e uma consoante podem fazer toda a diferença do Mundo. Se juntarmos por exemplo a vogal "a" e a consoante "n" à palavra alfabeto, teremos um analfabeto. Que pode ser um cidadão impoluto, mas absoluto desconhecedor do dito alfabeto.
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Ficamos então todos cientes do poder que têm uma vogal e uma consoante juntas. Mas permanece a magna questão enunciada antes, que é a de saber se a vogal que é consoante é vogal ou é consoante.
Numa tentativa porventura condenada ao fracasso de simplificar a questão, posso acrescentar que uma vogal pode ser consoante, como uma consoante também pode ser consoante sem deixar de ser a consoante que sempre foi.
O meu querido leitor está baralhado? Não se espante se for esse o caso, porque a baralhação não é um exclusivo da Presidência da República, onde se baralharam recentemente por causa de uma vogal. Daquelas que são consoantes.
Não sei se terá sido mais um exclusivo dos serviços do Palácio de Belém, ou quiçá dessa empresa quase confidencial que dá pelo nome de Imprensa Nacional, mas importa recordar neste momento que antes da vogal que é consoante já tivemos uma vírgula que suscitou as maiores reticências, pelos pontos finais que foi capaz de transformar em pontos de interrogação. Provocando exclamações de todos os tipos!
Em relação à vírgula, a vogal merece sempre melhor pontuação. Ainda que comparada com as consoantes, a inferioridade seja uma constante em qualquer alfabeto. Mesmo em alguns mais esquisitos, como no cirílico, onde não sendo fácil descobrir uma vogal é ainda mais difícil descobrir as consoantes, imaginando nós que serão, com jeito, muitas mais.
Na minha ideia, estas dificuldades seriam o pão nosso de cada dia para os cidadãos comuns, como eu, da sociedade civil, como eu, mas apenas motivo de riso e de chacota para essa elite nacional que, da Assembleia à Presidência, passando pela Imprensa Nacional, trata as leis por tu e os decretos-lei por tu cá tu lei.
A grande novidade com que esbarramos no final da semana passada é a de que esta minha suposição estava pura e simplesmente errada. Para esse escol, vogal que se preze também pode ser consoante.
Aparentemente (e agora para assuntos com menos de oito anos vou passar a ter este cuidado de dizer aparentemente, ou provavelmente, ou a acreditar no que diz a lei ...) tudo terá começado na Imprensa Nacional.
Local aparentemente irrepreensível, onde a vogal "a" foi atropelada pela também vogal "e", numa lei onde se estipulava uma limitação, que não previa a limitação de competência dos que a manuseavam.
Focando-nos no lado positivo das coisas, ficamos a saber que a fidelidade das leis, como acontece a uma vogal, também pode ser consoante.
Descoberta a imparidade da vogal pelos serviços competentes (desta vez, aparentemente, sim) da Presidência da República, logo ela foi comunicada às instâncias igualmente competentes, que lamentavelmente logo se declararam incompetentes para resolver o assunto, porque uma vogal só pode mudar numa lei consoante o prazo que tiver decorrido entre o erro e sua correção.
Não sendo possível confiar numa lei promulgada pelo presidente e publicada pelo "Diário da República" impresso na Imprensa Nacional (e julgo que não há outro... nem digital) sonhei eu poder confiar no "pai" da lei, como sempre me habituei a confiar no meu próprio Pai.
Infelizmente, descobri que também essa confiança não é de confiar... porque é consoante. Consoante o pai dela, da lei.
No caso desta lei supracitada, recordo que o dr. Paulo Rangel, que tão garbosamente assumiu a paternidade da lei de limitação dos mandatos, não foi capaz de descobrir que aquela lei, com aquela vogal, não era a que ele tinha feito. Ainda que consoante a interpretação ela lhe desse jeito.
Se a minha filha de 9 anos me aparecer de repente com olhos azuis, eu vou notar logo que a filha que me apareceu não é a filha que eu fiz. Mesmo que me desse jeito pela razão mais estúpida do Mundo.