Se fosse feita uma sondagem em Portugal com a pergunta - "Acha que devem existir medidas para proteger o bacalhau de forma a garantir a sua preservação?" - tenho a certeza de que a esmagadora maioria das pessoas diria 'sim'. Na verdade não é necessário fazer a questão: o bacalhau esteve em risco nas águas controladas pela Noruega e chegou quase à extinção nos bancos de pesca da Terra Nova, no Canadá, onde as águas internacionais sem jurisdição permitiam uma sobrepesca brutal. O problema foi tão grave que o Tratado do Atlântico Norte impôs proibições enormes de capturas nessa zona que duraram quase duas décadas. Hoje o bacalhau volta a abundar na Noruega e está a ser pescado de novo nas águas próximas do Canadá, o que prova que um rigoroso controlo da atividade humana, atempado, permite a renovação dos recursos naturais.
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Estas decisões geram conflitos. Se perguntássemos aos portugueses - "Concorda que Portugal seja afastado da pesca na Noruega e Canadá, onde desde há séculos tem presença de barcos?" - estou certo de que a resposta seria um rotundo 'não'. E isto é terrível, porque este 'não' seria absolutamente contraditório com o 'sim' à primeira pergunta.
Serve isto para dizer que a medida tomada ontem pela União Europeia, de obrigar as embarcações a trazerem para terra os peixes que capturam acidentalmente, mas sem valor comercial, é boa para os mares. Portugal portou-se como um país lamentavelmente inculto, demagógico, opondo-se quimericamente a uma decisão que ajuda a preservar um recurso essencial para a nossa vida.
A oposição da ministra da Agricultura e Pescas, Assunção Cristas, está de acordo com o tom do seu Ministério nas questões que exigem mais substância - há muitas decisões casuísticas, alinhadas por um 'progresso' populista que não leva a lado nenhum. O CDS-PP tem uma espécie de clientela de voto entre os patrões da pesca e quis ficar bem na fotografia. Mas, na verdade, é do interesse de toda a gente que se preserve o mar - incluindo dos pescadores. Basta olhar-se para o extraordinário acordo, conseguido há quase 20 anos entre as embarcações portuguesas da pesca da sardinha, para se perceber como proteger os recursos é garantir o futuro. Nesta altura do ano, por exemplo, praticamente não há sardinha fresca. A investigação dos cientistas demonstrava que é necessário deixar a sardinha desovar para que os juvenis apareçam, cresçam e mantenham a espécie. Fez-se isso. Melhorou-se o stock da espécie.
Estamos habituados a dizer que Bruxelas destruiu a frota portuguesa há 20 anos. É falso. A limitação de quotas de pesca e diminuição de embarcações aconteceu por toda a Europa. Os valores para abate eram elevados e foi preciso pagar muito dinheiro para parar a delapidação dos recursos. O que aconteceu a seguir foi que os espanhóis (e outros) tiveram os seus governos e armadores a irem procurar outros mares mais longínquos para fazer empresas mistas internacionais (por exemplo com Moçambique, Argentina, Chile, etc....). O Governo português não se focou em negociações desse tipo e as empresas portuguesas de pesca ficaram sem quotas. Daí a diferença.
Esta proibição aprovada ontem para o 'by catch' é uma decisão boa para os oceanos mas obviamente má para as empresas de pesca. Que vão protestar. A prazo, no entanto, isso vai melhorar a qualidade das redes, dos sonares de pesca, tornando o ato de cada lançamento da rede ao mar necessariamente mais responsável e, sobretudo, limitando o impacto desse flagelo trucidário que é a pesca de arrasto.
Calcula-se que 75% de espécies estejam em risco. Diversas organizações internacionais indicam que 70% do total de peixe capturado não chega ao consumo humano direto - ou vai para farinhas de peixe ou é lançado ao mar. Além disso, a multiplicação de barragens (impedem os sedimentos dos rios de chegarem ao mar), o aumento da temperatura média da água do mar e a maior acidificação por aumento de CO2 na atmosfera agravam a qualidade dos recursos. Ainda por cima, já vamos em sete mil milhões de almas neste globo e seremos nove mil milhões em 2050. Perante estas evidências há alguma dúvida de que é preciso evitar a chamada pesca acidental?