Pedro Passos Coelho apareceu ontem aos portugueses determinado a dar a volta ao chumbo do Tribunal Constitucional (TC) a quatro normas do seu Orçamento do Estado. Habituado a chumbos constitucionais (este é já o segundo de Passos), o primeiro-ministro prometeu não aumentar impostos (é, também nesta matéria, reincidente), mas, para isso, deixou no ar a ameaça de implosão do Estado social.
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Dito desta forma, a medida não causou alarme imediato. Afinal, reconhecemos cada vez menos a responsabilidade social do Estado e essa é uma triste virtude de um partido que além de social se diz democrático.
O segundo fôlego de Passos - que acontece depois de ter ultrapassado uma moção de censura no Parlamento e da demissão do mais político dos seus ministros - não é obra do acaso. Turbinado por uma declaração equívoca de Cavaco Silva que, anteontem, em comunicado, considerou que o Governo "dispõe de condições para cumprir o mandato democrático em que foi investido", Passos contra-atacou tudo e, em especial, o órgão a que compete zelar pela aplicação da Constituição da República. Ao responsabilizar o acordão dos juízes do TC pelas "consequências muito sérias e graves para o futuro não só do Governo mas de todo o país" Passos mais não fez do que sacudir a água do capote, pretendendo dizer aos portugueses que tudo ia bem neste nosso recanto europeu até ao chumbo do "Constitucional". Ao basear a reprovação nos princípios de igualdade e de proporcionalidade, evitando, assim, que os sacrifícios recaiam essencialmente nos funcionários públicos, o TC agarrou-se a um princípio inabalável de qualquer Constituição democrática que, todavia, Passos contesta. Em jeito de vingança, o primeiro-ministro quer, agora, equilibrar as contas do Estado à custa de todos e, sobretudo, da delapidação do dito Estado social. Quando a retórica der lugar aos atos, espera-se para ver até onde é que o outro partido da coligação governamental, mas também dos reformados e dos pensionistas, o CDS de Paulo Portas, vai deixar chegar Passos e as folhas de cálculo do seu (ainda) todo-poderoso Vítor Gaspar.
Sobre tudo isto esperava-se ontem uma reação firme do líder do principal partido da oposição. Mas incompreensivelmente Seguro nada disse. Terá sido por ter falado tanto e tão fora de tempo nos últimos dias que, agora, se arrisca a ficar a falar sozinho. Ao multiplicar os apelos à realização de eleições antecipadas, após a apresentação de uma inconsequente moção de censura, o líder do PS ficou sem margem de manobra política com a defesa presidencial da coligação de direita.
Ao invés do silêncio de Seguro, coube a Sócrates aparecer, no dia de estreia do seu espaço de comentário na RTP, a atacar de uma só vez Cavaco e Passos. E, por omissão, o próprio Seguro. Para Sócrates, pior do que não corrigir o erro resultante do chumbo do "Constitucional" foi o pedido feito por Passos de uma "moção de confiança" ao presidente da República. Algo que, para o antigo primeiro-ministro, "não acontecia em Portugal há 30 anos" e que transforma este Governo, num certo sentido, num Executivo de iniciativa presidencial.
Foi um regresso vigoroso de Sócrates que, sem surpresas, atacou ferozmente Belém e São Bento, colocando Seguro entre a sua espada e a parede de Passos (agora escorada por Cavaco). E, assim, Sócrates assume-se como a sombra que, como se antevia, vai apagar ainda mais o paupérrimo desempenho do principal líder da oposição.