1. É a sina. Mais uma vez Santos Pereira foi "atropelado" por Vítor Gaspar. Uma semana após a apresentação da estratégia para o crescimento já ninguém fala dela. Não será só sina. Também incompetência de um Governo que, primeiro, dá as boas notícias e, depois, as más. O programa, em si, é revelador do funcionamento do Executivo: num plano em que as exportações e a internacionalização são, como devem ser, centrais, há, se não me enganei na busca, duas referências à AICEP (em 83 páginas)! AICEP que tinha, autonomamente, apresentado, sem que se perceba a fundamentação, uma lista de 12 sectores prioritários para a atracção de investimento estrangeiro. Quando se faz da racionalização dos serviços públicos uma bandeira, eis um péssimo exemplo de descoordenação, no melhor dos casos, ou da persistência de "capelinhas", no pior.
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2. Crescer não será, nunca foi, tarefa fácil e não se fará sem uma reestruturação profunda do tecido empresarial. Quando se diz isto, quase todos pensam em novos sectores e novas empresas, em empreendedorismo e coisas que tais. Como José Mendes bem demonstrou na sua crónica de 28 de Abril, é preferível ter os pés assentes na terra e, tal como Michael Porter já tinha sugerido, há mais de 20 anos, pensar em construir muito do novo a partir do que já existe, não efabulando. O que somos, o que temos, tem mais potencialidades do que gostamos de imaginar. É evidente que há muito a fazer, a começar pela relação propriedade-gestão. O PS teve a intuição certa e, como é costume, a proposta errada. Há muitas empresas em dificuldades que poderão ser viáveis. Será isso possível mantendo à sua frente quem as trouxe até ao buraco em que estão metidas? Simplesmente facilitar-lhes o crédito, não é propor-lhes continuar a percorrer o caminho que desaguou na situação actual? Muitas delas precisam de uma mudança drástica, um choque de gestão, que não ocorrerá sem os incentivos adequados que, entre outros, estimulem os credores a transformar dívida em capital, dando-lhes o direito de intervir na gestão e/ou de o alienarem quando, e a quem, acharem conveniente. E, sim, talvez o Estado pudesse fazer algo semelhante, criando para o efeito um veículo financeiro apropriado. Tudo isto é muito difícil com uma legislação que privilegie os direitos de propriedade em detrimento dos da empresa, facilitando comportamentos oportunistas e míopes que, não poucas vezes, redundam em falências e na destruição de valor. Muitas empresas não precisam só de crédito, precisam de quem lhes possa dar um novo rumo o que, em muitos casos, significa sangue novo. Precisam de ser salvas dos seus donos. Em economia, reestruturar não é fazer tábua rasa do que existe, mas também não é acreditar na ressurreição dos mortos. Será sina?
3. Também na reforma do Estado é crítico passar de uma lógica de curto prazo, de perpetuação de interesses e de aparente protecção do emprego a qualquer custo, para uma lógica de serviço. Conheço casos exemplares, designadamente na da saúde, conseguidas com a participação de quem está no terreno. São a excepção. A sua generalização só seria possível num quadro de descentralização, confiança e responsabilização. A não ser assim, o mais provável é que uma boa ideia, assente no princípio de procurar servir melhor o público, esbarre no imobilismo de quem, instalado no aparelho de Estado, actue como seu dono, preocupando-se com o seu emprego e rendimento. Veja-se a forma como as várias corporações reagiram à sugestão de alargamento dos horários de funcionamento dos centros de saúde. Não foi: "há coisas que é preciso discutir". Foi: "nem pensar". O resultado, como aqui tenho sublinhado, é o que transparece do anúncio do PM: cortes administrativos e cegos. Não é menos Estado. É pior Estado. A nossa sina?
P.S.: Em não poucas ocasiões, o JN destacou-se pelo seu pionerismo. Não estará a democracia já madura para que um jornal declare, como acontece noutros países, o seu apoio, mesmo que crítico, a um candidato, no caso à Câmara do Porto? Teria a enorme vantagem de tornar transparentes as opções editoriais, mesmo que estas possam ser óbvias.
O autor escreve segundo a antiga ortografia
