O dia de ontem veio provar que a recauchutagem da maioria governativa engendrada pelo presidente da República com a preciosa ajudinha do Partido Socialista tem todas as condições para correr mal.
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Estava o país político e jornalístico à espera da prometida - ainda que incompreensivelmente demorada - remodelação governamental, quando o assessor jurídico do ainda, àquela hora, ministro da Economia decidia atirar umas achas para a fogueira. Escreveu João Gonçalves na sua página pessoal no Facebook que "desta vez não é o PR nem o PM [primeiro-ministro] que anunciam uma remodelação em primeira mão. São os interesses e as negociatas". Tudo porque, acrescentava Gonçalves, o corrido ministro "Álvaro Santos Pereira - que comete o 'crime' da independência - é removido por eles do Ministério da Economia e do Emprego".
Vinda de um dos principais assessores de Santos Pereira, a suspeição tem tanto de inesperada como de preocupante. Recuemos no tempo. Álvaro aceitou ser ministro, vindo do Canadá, para "reformar sem medo e lutar por Portugal", disse, na altura, à SIC. Naquele tempo, o ministro ainda vivia em estado de graça (melhor, de benefício da dúvida) e sonhava com a internacionalização do pastel de nata (que comparou ao efeito MacDonald's ou Donuts). Desde então, foi perdendo protagonismo e a sua permanência no Executivo transformava-se mais ainda numa questão de tempo.
O desabafo do seu assessor parece dirigir-se por inteiro ao homem que vai substituir o ministro-emigrante na pasta da Economia, o centrista António Pires de Lima, gestor da Unicer, produtora da cerveja Super Bock. De tal forma que, horas mais tarde, o assessor voltou à carga na mesma rede social: "Para que não haja confusões, a cerveja nacional que prefiro é a Super Bock. Uma coisa são as cervejas, outra coisa são os cervejeiros", ironizou.
Não é crível que Passos Coelho venha a comentar esta denúncia, mas o mesmo começa a ser complicado no caso das acusações contra a mulher que nomeou para o lugar de Vítor Gaspar e que, uma vez mais, ontem esteve debaixo de fogo. O ex-secretário de Estado socialista Carlos Costa Pina garantiu que a ministra que Portas não quis no Governo teve conhecimento do caso dos swaps quando ocupou a secretaria de Estado do Tesouro, há cerca de um ano. Na Assembleia da República, Costa Pina foi mais longe, ao dizer mesmo que Albuquerque mostrou "preocupação especial" com a situação do Metro do Porto. Apetece perguntar: irá Maria Luís Albuquerque continuar a alegar desconhecimento? E o que é que Passos vai dizer? E Portas?
O remendo governativo tem, no entanto, mais ponta por onde se lhe pegue. Rui Machete vai tomar conta da pasta que era de Portas. O novo ministro dos Negócios Estrangeiros é um veterano da política nacional. Foi membro de governos provisórios e do bloco central. Presidiu à toda-poderosa Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento durante mais de 20 anos. Passou pela Galp, BPI, Unicre, seguradoras ligadas ao BCP e foi presidente do Conselho Superior da Sociedade Lusa de Negócios, grupo proprietário do BPN, o afamado banco que terá beneficiado ex-governantes do PSD e que deu um rombo gigantesco nas contas do país, de pelo menos 4 mil milhões de euros. Sobre esta remodelação, gastar-se-á ainda muita tinta. Resta saber se as dúvidas sobre que "interesses" e "negociatas" escrevia o assessor de Álvaro Santos Pereira numa tarde de cadeiras dançantes serão entretanto esclarecidas.