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Li no JN que este ano a Câmara Municipal do Porto quer colocar, novamente, o jardim da Rotunda da Boavista no roteiro dos festejos são-joaninos. Este jardim traz-me à memória recordações indeléveis da meninice e adolescência. Ligadas ao S. João mas também à Feira do Livro que durante vários anos aí se realizou, naquilo que eram dois meses de romaria ao jardim.
Em maio, a Feira do Livro, onde tive sempre direito a uns livros pagos pelos pais, numa tradição que, creio, muitas famílias mantinham, e nos outros dias, o direito apenas a folhear os livros dos escaparates, cobiçando uns e lendo outros, designadamente de banda desenhada, em leituras que se interrompiam para continuar no dia seguinte...
Em junho, os divertimentos onde gastava juntamente com os amigos as semanadas e, quando estas acabavam, me divertia a ver os outros divertirem-se. E recordo os festins que fazíamos comprando, muito mais baratos, os "restos" das farturas, que mais não eram do que as pontas da espiral que não tinham dimensões para ser vendidas como "farturas de primeira", mas que nos sabiam tão bem quanto essas.
Certamente influenciado por essas recordações mas, também, porque me parece um erro perder tradições na cidade, enquanto vereador do Ambiente fiz com que as comemorações do S. João regressassem à Boavista, no ano de 2002. Talvez sem o sucesso dos anos áureos, mas com a consciência de que o caminho se faz caminhando, ou seja, que o retomar de tradições interrompidas precisa, novamente, de habituação. Infelizmente, nos anos seguintes, não foi possível manter a tradição, por força das obras a que a Rotunda da Boavista esteve sujeita no âmbito da construção da linha do metro.
Mas, terminadas as obras, e numa altura em que já não tinha qualquer pelouro na Câmara, apresentei uma proposta no sentido de que esta tomasse as iniciativas necessárias à integração da Boavista no roteiro das festas de S. João. Sem êxito! Rui Rio, inicialmente, argumentava que, tendo o jardim sido objeto de obras de requalificação, não se justificava "estragá-lo" com festejos deste tipo. Argumento que caía pela base quando colocava carrosséis e outros equipamentos do tipo, quer na Avenida dos Aliados quer, por exemplo, no Jardim do Cálem - locais que também tinham sido objeto de requalificações recentes.
Nunca entendi as razões para esta teimosia, que se manteve até ao final do seu mandato, razão pela qual, agora, não posso deixar de aplaudir esta iniciativa de Rui Moreira. Chamando a atenção para um erro de base da requalificação da rotunda que põe em causa a segurança das pessoas. Como é possível que na ligação da Avenida de França com a rotunda não exista uma passadeira? Naquele que é o atravessamento natural mais frequentado, dada a existência da estação de metro da Casa da Música. Naquilo que é uma inadmissível prioridade dada aos carros e que coloca em causa a segurança dos peões. Espero, sinceramente, que se aproveitem estas comemorações para resolver este erro.
Mas, pensando neste caso como noutros que se têm passado nos últimos tempos, não posso deixar de refletir sobre as incoerências daqueles que, tendo sido eleitos nas listas de Rio para a Câmara e Assembleia municipais do Porto, se mantêm em funções nas listas de Rui Moreira.
De facto, como é possível contribuir para inviabilizar as comemorações do S. João na Boavista e, agora, apoiar essas comemorações? Como é possível extinguir o cargo de Provedor do Cliente dos SMAS, que eu tinha criado, votar contra as propostas que apresentei de criação do cargo de Provedor do Munícipe e de Provedor do Inquilino Municipal (com o "argumento" de que os vereadores é que são os "provedores" dos cidadãos) e, agora, votarem favoravelmente a criação desta última Provedoria? Como é possível suspenderem os pagamentos à Caixa de Reformas dos SMAS (causando situações de verdadeira penúria a diversas pessoas que viviam desse dinheiro) e, agora, votarem um acordo que devolve, com juros, as contribuições dos trabalhadores?
Será que mudaram de opinião? Ou estamos perante as tais incoerências que ajudam a descredibilizar o funcionamento das instituições democráticas?
