1Paulo Bento corre o risco de ser um herói nacional. Porque não se demite. Porque a responsabilidade é toda dele. Porque é um homem que dá o peito às balas... É igualzinho a António José Seguro que depois de andar a ganhar os jogos todos por meio a zero também ficou cheio de coragem e vontade. Não interessa que, em concreto, a seleção tenha os jogadores errados ou que haja tabus sobre jogadores que ficaram em casa e não faziam parte do "grupo" do líder. Bento andou quase sempre a ganhar aflitinho mas lá ficou sempre de pedra e cal. Lembram-se do golo de Bruno Alves, na Albânia, há quase três anos, de cabeça, no último minuto, que evitou a derrota e nos deu hipótese de irmos ao play-off do Europeu? Esteve sempre tudo preso por arames. Mas ele lá foi andando, muito com a ajuda de Ronaldo - ter um dos melhores jogadores do Mundo ajuda qualquer treinador. Foi o que se viu na Suécia em novembro quando nos salvamos no play-off e ganhamos passaporte para o Brasil. Só que agora não dá mais. É demasiado evidente. E no entanto, não interessa... Bento diz-se culpado, sozinho, e está resolvido. À espera que no final se discuta apenas o superficial - como se a discussão fosse a coisa em si, mais do que a competência, o perfil, os títulos ganhos no passado que justifiquem o lugar. Não se demite? Porquê?
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2Os que têm de dizer muitas vezes que não se demitem já têm os pés a fugirem-lhe do chão há muito tempo. Seguro engendrou a maior confusão política alguma vez vista num partido: para quê? Para demonstrar que é um tipo que não se fica, que sabe o que quer. Um líder. Mas desde quando a teimosia ou o estilo "forcado da Moita" qualifica alguém? Olhe-se bem para o PS. De um lado está Costa, que sabe não poder rachar Seguro de cima a baixo porque estaria a destruir o próprio PS. Do outro lado está um miúdo que resolveu levar o partido com ele para o abismo - quer ganhe quer perca. O que fazer com gente que se agarra aos lugares como se fossem seus, só porque "colaram cartazes" ou tomaram conta da loja numa altura difícil?
3Enquanto isso Portugal muda. Passos prepara um aumento de imposto novo para fazer face ao Tribunal Constitucional e para a opinião pública, qualquer dia, até parece um homem sensato que só quer o melhor para nós. O primeiro-ministro tem de nos dar mais umas palmadas? É para nosso bem. A certa altura já nem sabemos distinguir entre meter as crianças na ordem ou maus-tratos. Quem diria que Passos Coelho, um político sem qualquer experiência executiva ou empresarial de nível médio, se poderia tornar no "Homem do Leme"!... Ele está a tomar conta do país sozinho! Seguro quer ir brincar às eleições internas do PS; Portas, se pudesse, ia para Comissário Europeu ou saía já; e Costa quer mas não pode. O povo só tem Passos...
4Que Passos não se demite, é claro. Nunca pensou em tal. Ou melhor, especulou-se, por alturas da TSU, que até ele teria um lado humano e andaria deprimido. Meio milhão nas ruas era algo de novo, realmente. Mas passou. Se houve coisa que este Governo mostrou é que não interessa a gigantesca quantidade de erros, mentiras e alteração profunda dos equilíbrios da sociedade portuguesa. Tudo se esquece.
5Até porque, lá está, Passos esteve outra vez bem nesta semana no caso BES. Ricardo Salgado, curiosamente, que sabe o que é poder, ou a sua ausência, esse, demitiu-se. Ou melhor, está a tentar governar o BES por interposta pessoa. Passos tenta salvar a pele e não meteu lá o dinheiro da Caixa Geral dos Depósitos para disfarçar as trapalhadas de um grupo financeiro que sempre foi demasiadamente subterrâneo. No entanto, não haja ilusões: se o BES for mesmo abaixo não haverá outra saída que não seja ir metendo lá o capital que for preciso. O risco sistémico de um banco como o BES é tão elevado que significaria o regresso da troika em força. É um daqueles casos em que nenhum de nós teria hipótese de se demitir (de pagar), por muito que quisesse. Se o BES ruir, governar Portugal vai ser coisa para gente que sabe o que anda a fazer. Quem diria.