O Espírito Santo permanecerá entre nós
Concordo com o governador do Banco de Portugal, quando diz que estivemos à beira de uma catástrofe.
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Como aceito que, nessas circunstâncias, a solução encontrada para o Banco Espírito Santo foi, das possíveis, a menos má. É a que mais protege os depositantes do Banco e os contribuintes portugueses, e é a que mais responsabiliza o conjunto do sistema financeiro. Claro que é extremamente injusta para os pequenos acionistas - e, em particular, para os que acorreram ao último aumento de capital, confiados nas autoridades. E não deixa de beneficiar o infrator (e o comprador futuro do Novo Banco) - quantos bancos não gostariam de ver removidas dos balanços as imparidades que acumularam...
Dito isto, há umas tantas explicações ainda por dar, e não há "spin" nem arrogância enfastiada perante as perguntas parlamentares que as substituam. Primeiro, não sabemos por que demorou tanto uma intervenção firme sobre problemas conhecidos do supervisor pelo menos desde setembro, e se foi deixando degradar o BES. Segundo, está por esclarecer o motivo por que a estimativa dos prejuízos deste mais do que triplicou em apenas 15 dias. Terceiro, não sabemos porque é que a CMVM não foi logo informada da solução preparada pelo Governo e pelo Banco de Portugal, de modo a que tivesse evitado a sangria (e a provável manipulação de mercado) ocorrida nos dias 31 de julho e 1 de agosto. E, por fim, como devemos responsabilizar o presidente da República, o primeiro-ministro, a ministra das Finanças e o governador, que - contra os factos e desprezando os alertas que vários lhes fizeram - afiançaram aos portugueses que o BES estava sólido e não era contaminável pela derrocada do GES, e assim iludiram, em particular, os pequenos acionistas?
Não terminou por aqui a triste atuação das autoridades. Custa ver o presidente escondido e o primeiro-ministro em calções de banho, quando as garantias dadas por eles acabam de ruir, quando têm de ser mobilizados mais de 4 mil milhões de dinheiro público (sim, porque até na contribuição dos bancos para o Fundo de Resolução há receita fiscal do Estado...) e quando implode o mercado de ações.
Ainda se esperaria uma alteração de comportamento. Mas a fantasia continua a reinar. Não, não é verdade que não haja doravante risco para os contribuintes. Mesmo na situação limite de serem só os bancos a sofrer as perdas, lá estará à cabeça a Caixa Geral de Depósitos... Não, não é verdade que o problema seja apenas ou principalmente de supervisão, o Governo apenas acolitando o senhor governador. A devastação provocada pela gestão do BES e os caldos de galinha das autoridades (até o Banco Central Europeu se ter interposto) provocaram uma enorme devastação no conjunto da economia, no sistema financeiro, na poupança privada e na confiança pública.
Mas, em tudo o que o governador diz, o que mais inquieta é a confissão, verdadeira, de que a supervisão só pode intervir "a posteriori" sobre o nível de má gestão ou delinquência atingido no BES. A pergunta é: como é que, seis anos depois da crise de 2008, continuamos tão desprotegidos contra a ganância e a vigarice financeira? Como é que, tendo aumentado exponencialmente a papelada que exige, a regulação continua a passar ao lado do essencial?
Ora, todos sabemos a resposta. Porque dissemos mil vezes (nós, os europeus) que faríamos coisas que nunca fizemos. Coisas essenciais e que atacariam o problema na sua raiz: separar radicalmente a banca comercial e a banca de investimento, salvaguardando os depósitos; acabar com os "offshores", onde a grande finança e a grande criminalidade discretamente se encontram; taxar realmente as transações financeiras, pondo um pouco de ordem na espiral especulativa
Porque não o fizemos, o Espírito Santo caiu com fragor sobre nós. E, por muito que nos queiram enganar as nossas próprias autoridades, permanecerá muito tempo entre nós.