"Boa noute!". Quem tem mais de cinquenta anos lembrar-se-á do "Museu do Cinema", um programa de televisão dedicado ao cinema mudo. Apresentado por António Lopes Ribeiro dedicava-se à divulgação de obras e actores da fase pré-sonora do cinema.
Corpo do artigo
Foi aí que nomes como Charlie Chaplin, Buster Keaton, Laurel e Hardy se tornaram familiares para muitos de nós. O interesse resultava quer da forma, ao mesmo tempo descontraída e pedagógica, como o apresentador abordava os diferentes temas quer do facto de os filmes serem acompanhados, por improvisos ao piano, pela outra figura do programa, o maestro António Melo. A este não se lhe ouvia nunca uma palavra, a não ser quando António Lopes Ribeiro o incitava "Melo diz boa noite aos senhores espectadores". Obediente, o maestro, sempre impecável no seu fato de músico de orquestra, lá largava uma "boa noute" que todos jurávamos ser a única coisa que sabia dizer. Criou-se o mito de que António Melo seria mudo (confesso que nunca cheguei a saber ao certo) o que, por sua vez, também alimentava a procura do programa: será verdade ou não? Será hoje que ele vai dizer mais algumas palavras? Essa expectativa, mais a qualidade do apresentador, fizeram do Museu do Cinema um sucesso de audiências.
Não sei se António Melo terá inspirado António Costa. À primeira vista, dir-se-ia que não: Costa é eloquente, não parece dado ao improviso e não se lhe conhecem dotes musicais (embora já tenha ouvido alguns, seguristas e não só, afirmar que é um grande músico). E, no entanto, quando instado pelos jornalistas a dizer alguma coisa aos portugueses tem-se limitado, uma e outra vez, a repetir "boa noite", qual António Melo da política. Tal como com António Melo, esse quase silêncio dá-lhe popularidade. Um governo detestado por muitos, em que se pressentem dissensões internas e que, ainda, se afadiga a dar tiros nos pés, é um seguro de vida para qualquer oposição. Quanto menos se disser melhor: eles enterram-se todos os dias. E quanto menos se disser, menos nos comprometermos, o que é também a melhor táctica para esvaziar a esquerda radical e capitalizar, pelo menos nas sondagens, os descontentes. Uma táctica de risco: as sondagens não ganham eleições.
Exagero? Então o PS não anunciou que votará contra o orçamento? Anunciou. Juraria que, se a pergunta tivesse sido feita a António Costa, a resposta teria sido "votamos contra. Boa noite!", acrescentando duas palavras ao discurso. É verdade que Ferro Rodrigues admitiu não haver grande margem para descer impostos se as bases do Estado social forem para manter e que Vieira da Silva acrescentou umas ideias genéricas sobre o que distinguiria o PS. O suficiente para não se comprometerem com nada. É que, mesmo se têm toda a razão quando afirmam que os nossos problemas - e os dos outros, acrescente-se - dependem de uma inflexão na política europeia, é tempo de perceber como estão a pensar conseguir que tal suceda.
Atáctica está a ser muito proveitosa nas sondagens e pode até acontecer que seja bem-sucedida nas urnas. Há um pequeno detalhe: o país não se esgota no PS. Se pensasse no país, o PS deveria aproveitar a discussão do Orçamento para o negociar e negociar, não se limitando a reclamar, a antecipação das eleições do próximo ano. Não, não seria com o actual Executivo que o PS negociaria. A postura do Governo, ao longo do mandato, não o justifica. A negociação seria com o presidente da República. Por mais institucionalista que este seja, é economista e político não podendo ignorar o que entra pelos olhos dentro: havendo mudança de Governo, como tudo indica, a manutenção do calendário eleitoral colide com os prazos de elaboração do orçamento e compromete a eficácia política. A antecipação é um imperativo patriótico e conviria que o PS o entendesse. Talvez já seja tarde de mais. Boa noite?