O Bloco conhece hoje o seu destino
Fundado em 1999, o Bloco de Esquerda teve um bom começo. Aproveitou a distensão social característica da governação de António Guterres e o período de crescimento e aproximação à Europa para propor uma nova expressão política ao eleitorado de pendor mais urbano, juvenil e cosmopolita, cuja agenda política e de costumes nem se revia na ortodoxia comunista nem estava compreendida na linha da então direção socialista. O Bloco ofereceu frescura, desenvoltura e radicalidade, e foi premiado eleitoralmente por isso, ao longo dos anos 2000.
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Nesse período, o Bloco operou por três vias complementares. Metamorfoseou a sua matriz marxista e revolucionária numa entidade política moderna, suspendendo as demarcações intestinas da extrema-esquerda portuguesa. Usou o europeísmo progressista como demarcação face ao PCP. E cultivou um relacionamento ambivalente com a base de apoio do PS, contestando a conformidade com a ortodoxia de Bruxelas mas partilhando uma agenda de qualificação democrática em torno da igualdade de género, da não discriminação pela orientação sexual ou da limitação de mandatos.
Atransição para esta nossa década veio travar o crescimento. A liderança de Sócrates retirou ao Bloco o essencial das bandeiras pós-materialistas. O apoio sistemático a tudo o que fosse contestação aos governos socialistas colou o Bloco às movimentações corporativas e retirou lustro à sua reputação moderna. Falhou o alargamento da base juvenil e urbana ao terreno autárquico e sindical, que era condição necessária para a implantação efetiva do Bloco como partido médio. Por trás da fachada unitária, a continuidade das organizações maoista e trotskista alimentou em dúvida a autenticidade do movimento. A imagem do líder, Francisco Louçã, sofreu uma assinalável erosão, que evidenciou o que havia de arrogância moral e ladainha religiosa no seu discurso.
2011 condensou e precipitou tudo isto. Parte do eleitorado do Bloco não perdoou a participação ativa do seu grupo parlamentar no derrube do Governo socialista; e muito menos aceitou a recusa infantil de qualquer reunião com a troika. A saída de Louçã criou uma orfandade que a forma de escolha dos sucessores (designados, à maneira leninista, pelos dirigentes cessantes) agravou. Mas, sobretudo, o Bloco aprendeu à sua custa uma regra sociológica que deveria conhecer: não há uma ligação necessária entre, por um lado, a degradação das condições de vida e a perda de direitos e, por outro, o incremento da consciência e da ação revolucionária.
Nestas circunstâncias, o Bloco tem de se redefinir. E já não pode fazê-lo apenas por sua iniciativa. Sangrado por conflitos intestinos e derivas grupusculares, o Bloco viu o PCP monopolizar a intransigência radical face ao "capital" e aos seus "cúmplices" sociais-democratas. Viu parte dos seus partirem em demanda de outros papéis e alianças políticas, que passam incontornavelmente pelo diálogo com o PS e a predisposição para soluções de governabilidade. E viu o PS resolver o seu problema de direção, abrindo também, dessa banda, a porta àquele diálogo.
Para exprimir o protesto social (por mais legítimo que seja), o Bloco já não consegue rivalizar com o PCP, que goza de bem maior implantação. Avançar no sentido de combinar protesto e governação alternativa significará desdizer-se num ponto essencial da sua argumentação política.
Por isso, e a meu ver, na Convenção deste fim de semana, o Bloco tem poucos graus de liberdade. A discussão será viva: as alternativas de liderança são claras e nenhuma delas tem o favor da maioria dos delegados. Mas será mais reconhecer um destino do que decidir um futuro. Ou o Bloco se assume como um parceiro ainda mais radical e ortodoxo de um PCP cristalinamente radical e ortodoxo; ou o Bloco rompe consigo próprio, e já será talvez demasiado tarde para o fazer sem morrer.