Nos últimos dias tem estado em cima da mesa o escândalo SwisLeaks, ou seja, a denúncia da existência de milhares de milhões de dólares em contas da filial suíça do banco HSBC que, no fundamental, resultariam de proventos de negócios menos claros e de evidentes fugas ao Fisco. Situação que foi investigada pelo ICIJ - International Consortiun of Investigative Journalists - que denunciou a existência de 778 contas bancárias de 611 empresas ou pessoas ligadas a Portugal e que, no conjunto, somam quase mil milhões de dólares.
Perante esta situação ouvi há uns dias, na Antena 1, António Costa (o comentador, não o seu homónimo líder do PS, embora este também assobie para o lado face ao problema...), a dizer, compungido, que "não é para isto que o capitalismo existe!". Ou seja, que casos como o SwissLeaks correspondem a um desvirtuamento dos nobres objetivos do capitalismo......
Gostei de o ouvir porque coloca a questão no plano ideológico, pondo de lado a espuma dos dias destes fenómenos. Por outras palavras, importa analisar a essência da coisa em vez do acessório (que também é importante se conduzir a penalizações concretas!), como saber quem é (ou quem representa) a cidadã de Vila Real que tem no HSBC uma conta com mais de 250 milhões de dólares.
E é importante este regresso ao debate ideológico para conseguirmos entender o que se tem passado. No início da crise, com a derrocada do sistema financeiro e o rebentamento da bolha imobiliária, chegou a aflorar-se que Marx havia "ressuscitado" e que as suas ideias de teoria económica mostravam a sua vitalidade. Mas rapidamente se centrou o debate na inevitabilidade das políticas austeritárias e no conceito muito judaico-cristão da culpa de que os povos se deveriam penitenciar por quererem viver acima das suas posses......
Bem pode António Costa, com entoação de anjinho, dizer que o SwissLeaks corresponde a um desvirtuamento do capitalismo, mas a verdade é que o mesmo resulta da sua essência. Da prioridade dada ao lucro (ou à mais valia, no dizer de Marx...), do problema da acumulação de capital resultante dessas mais-valias e que hoje são desviadas para atividades de financeirização, não produtivas e onde se obtêm ainda maiores lucros.
Essência do capitalismo essa que justifica a existência de paraísos fiscais, onde se concentram fortunas colossais resultantes da exploração que fogem a regimes fiscais que, à partida, permitiriam a redistribuição da riqueza... Ou se criam leis (e, aqui, António Costa, o líder do PS é cúmplice!) com perdões fiscais para permitir que alguns desses capitais "ilícitos" regressem, "lavados", ao país - como o fez José Sócrates, ao que se suspeita beneficiando diretamente da própria lei que aprovou!...
Vejamos, também, o debate sobre as privatizações. Recordo-me bem da ideia dominante que justificava, a partir de 1977, as privatizações e a diabolização das nacionalizações feitas após o 25 de Abril: "As empresas públicas são mal geridas e dão prejuízo, enquanto se forem privadas dão lucro, o que é bom para o país". Dou de barato que muitas empresas públicas foram mal geridas devido a escolhas de administrações baseadas em cartões partidários (de quem nos governa nos últimos 39 anos, ou seja, PS, PSD e CDS). E, muitas vezes, apostando na desvalorização dessas empresas para depois tornarem "inevitável" a sua privatização (transferindo-se, muitas vezes, para as novas administrações privadas, onde passavam a ser "competentes"...). Mas o que dizer, agora, do regabofe de gestões privadas como o BPN, o BPP, o BES/GES, com prejuízos colossais que estão a ser suportados pelo erário público, ou seja, por todos nós? Onde está, agora, a dicotomia competência/incompetência do confronto privado/público? Não será que a discussão deve ser em torno do que interessa para o país, ou seja, atividade baseada no lucro dos acionistas ou naquilo que é o desenvolvimento económico do país?
É, de facto, tempo de voltarmos à ideologia! Sem nos deixarmos levar por vozes de anjinho que mais não querem que nos transformar em anjolas...
