O Governo aprovou, na semana passada, a chamada "reforma da água", procurando transmitir para a opinião pública a ideia de que os fundamentos da mesma são a racionalização económica (diminuindo o número de sistemas multimunicipais que operam no setor) e a introdução de "justiça" no sistema tarifário, permitindo baixar "significativamente" os custos dos moradores do interior à custa de um "ligeiro" aumento das tarifas no litoral. Com o ministro, cinicamente, a dizer que se não aplicasse esta reforma a alternativa seria a privatização, "coisa que não deseja"...
No passado dia 2 de novembro, escrevia aqui uma crónica, intitulada "Estão a regar!", em que denunciava que as intenções do Governo são, exatamente, dar mais um passo para a privatização do setor das águas em Portugal. Dividindo o setor em empresas com dimensão e negócio suficiente para, juntamente com o aumento das tarifas, melhor dividirem o bolo pelos investidores privados.
Não obstante serem claros, há muito tempo, estes objetivos do Governo, os autarcas da região do Porto só agora decidiram reagir, ameaçando articular posições para intentar ações em tribunal contra esta decisão do Governo.
Concordo que a luta, na Justiça mas não só, é o melhor caminho. Mas não posso deixar de lamentar que só agora reajam, nem de registar a hipocrisia subjacente a todo este processo.
Durante quatro anos (2002-2005), representei o Município do Porto nas assembleias-gerais da empresa Águas do Douro e Paiva. Onde participava, como representante do acionista maioritário (a Águas de Portugal), o Eng.º Mário Lino, que depois se distinguiu como o ministro "jamais" do Governo Sócrates... Desde a fundação da empresa, e como infelizmente é caraterístico da nossa região, os autarcas (leia-se presidentes de câmara), longe de se preocuparem com a essência das coisas, davam mais valor à distribuição dos cargos nos órgãos sociais das empresas (Metro do Porto, Águas do Douro e Paiva, por exemplo) onde os municípios participam. Tive oportunidade de o denunciar numa assembleia geral eletiva, onde os administradores "escolhidos" pelos municípios corresponderam a um acordo do bloco central (um para o PS e outro para o PSD...), com a agravante de nem sequer ter sido discutido pelos autarcas, mas sim pelas direções regionais desses dois partidos!
E não deixa de ser curioso que na administração da Águas de Portugal (onde acumula com a presidência do Conselho de Administração da Águas do Douro e Paiva) esteja o líder da Distrital do Porto do CDS, partido que integra várias maiorias autárquicas da região e que é um dos suportes de Rui Moreira.
Assim, e depois de andarem a assobiar para o lado, os presidentes de câmara da região veem a castanha a rebentar-lhes nas mãos. E tentam salvar a face, perante as orientações dos partidos que integram e os apoiam...
