A sinopse da greve na TAP não é o resumo de um filme dramático. A trama mistura surrealismo e um quê de policial. Quem é que ainda olha para os pilotos como os heróis que envergam as armas contra a fúria privatizadora? Para memória futura desta pequena tragédia, eles ficarão apenas celebrizados pelo desempenho no papel de ajudantes do cangalheiro.
Porém, nada os demove desta greve. Nem os colegas, nem o Governo, nem o PS, nem as duas centrais sindicais. Sim, as duas. O secretário-geral da UGT, Carlos Silva, chamou-lhe "corporativismo bacoco"; e o insuspeito secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos, acusou os pilotos de só estarem preocupados em assegurar o seu quinhão numa possível venda a privados. Se juntarmos a isto o facto de também a opinião pública não entender o protesto, ficamos ainda mais confusos sobre as reais motivações da confrontação.
Mas vamos tentar explicar: a maioria dos pilotos (serão 700 de um total de mil) decidiu bloquear a TAP durante dez dias porque o Governo não estará a cumprir um acordo firmado em 1999 (!!??) e um outro, de dezembro passado, que lhes dava direito a uma parte da empresa em caso de privatização. Pelo meio, há outra exigência, curiosamente menos mediatizada, relacionada com o pagamento de diuturnidades. Há dias, o porta-voz dos grevistas, Hélder Santinhos, justificava a má fama do protesto com a dificuldade em explicá-lo aos cidadãos. E socorria-se de Martin Luther King, para lembrar que "a greve, no fundo, é a linguagem dos que não são ouvidos".
Ora, acontece que os pilotos já foram ouvidos. Em dezembro, borrifaram-se para o regresso a casa dos emigrantes e convocaram uma greve para o Natal e o Ano Novo. Cinco meses depois, voltaram à carga, alheios à dívida ainda maior da empresa e fazendo nova tábua rasa dos interesses e necessidades dos mais de nove mil trabalhadores do Grupo TAP que não ganham mais de oito mil euros por mês como eles (e não têm um fundo de greve que lhes paga parte do salário desses dias) e que certamente terão mais dificuldade em encontrar emprego, caso a transportadora sucumba.
E o mais certo é que isso aconteça. Se a greve for até ao fim, os prejuízos serão astronómicos. E a empresa ficará bem menos atrativa para um comprador. Se a privatização borregar, os pilotos ficam a chuchar no dedo e ao Estado não restará outra solução que não seja avançar com uma profunda reestruturação. E todos sabemos o que isso significa: despedimentos em barda. Veremos de que lado estarão os pilotos nessa altura: se vão para a rua em protesto, ou se transferem a sua indignação para uma companhia aérea que premeie como deve ser o seu elevado profissionalismo.
