"Estamos achando que foi um golpe". Foi assim que Márcia Pereira, cliente da Livraria Camões, definiu a nota da Imprensa Nacional - Casa da Moeda que voltava atrás na decisão de fechar a Livraria Camões no Rio de Janeiro.
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A Imprensa Nacional-Casa da Moeda e o Grupo Almedina assinaram um memorando de entendimento que vai possibilitar a reabertura, ainda neste semestre, da única livraria a oferecer livros de edições portuguesas no Brasil.
Márcia Pereira é historiadora, editora e membro da Academia Luso-Brasileira de Letras. Como ela, esta terça-feira, passaram pela livraria vários professores, escritores e estudantes. O que os unia, independente da profissão, era a ligação com aquele "pedacinho de Portugal no Brasil", como a livraria é carinhosamente chamada.
Porém, diferente de Márcia, muitos apareceram para felicitar José Estrela, o atencioso gerente de 76 anos, pela permanência da livraria no local que ocupa há quase 40 anos. Entretanto, com alguns minutos de conversa, o recém-chegado compreendia melhor a situação. Embora Estrela mantivesse o seu bom humor habitual, os demais funcionários deixavam claro que a livraria poderia até continuar a existir, mas tudo o que ela representa, não.
A liquidação de até 60% nos preços dos livros anunciada num cartaz na porta já indicava o futuro. Numa reunião à tarde, todos os funcionários, incluindo José Estrela, com 38 anos de serviço na casa, foram avisados que os seus serviços não eram mais necessários.
À medida que eram informados da real situação, os presentes indignavam e exaltavam a importância do local. José Thomaz Brum, professor da PUC, tradutor e escritor, considera que o fim da Livraria Camões é "muito grave". Como Thomaz, havia muitos outros. Adriano Espínola, professor aposentado de Teoria Literária da Universidade Federal do Rio de Janeiro e membro da Academia Carioca de Letras, afirma que o fim da livraria "representa o fechamento de um território literário de Portugal no Brasil".
Atrás do caixa, a filha de Estrela, Ana, visivelmente emocionada, deixava constantemente o seu espaço para contar algum fato curioso. Ao olhar em volta como se contemplasse pela última vez o ambiente, apontou para a mesa redonda perto da escada e afirmou que "aquilo ali, eles [os novos donos] não vão querer, é velho, mas ali [José] Saramago lançou um livro".
Ao relembrar a história da livraria, José Estrela, sempre com orgulho e cumprimentando carinhosamente a todos que chegavam, dizia que, "com este espaço, a Imprensa Nacional - Casa da Moeda prestou um grande serviço à classe intelectual do Brasil". E em apelo aos editores e escritores portugueses, declarou: "não esqueçam que o Brasil existe, ele pode ser o futuro do livro português".
Após a confirmação das demissões, Ana Estrela agradeceu pelo carinho "de todos que apoiaram a luta contra o fechamento da livraria". Segundo ela, o "pedacinho de Portugal no Brasil" deve procurar um novo lugar para não deixar órfãos todos aqueles que acreditavam que a Livraria Camões era um pólo interativo da intelectualidade brasileira, mas, principalmente, um espaço dedicado à cultura lusófona no Brasil.