Um restauro numa imagem de Santa Bárbara, instalada numa capela em Niterói, no estado do Rio de Janeiro, deformou as feições da figura, deixando-a com cara de "Barbie", denunciou o historiador brasileiro Milton Teixeira.
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"Venho fotografando a santa há 20 anos e a última vez que fui lá, no dia 24 de novembro, levei um susto. Primeiro pensei que tinham trocado a santa. Fizeram uma 'lambança' [trabalho desajeitado], transformaram Santa Bárbara na bonequinha Barbie", declarou Teixeira em entrevista à Lusa pelo telefone.
Segundo a descrição do historiador, a imagem sofreu pinturas que descaracterizam o seu tom de pele, um contorno excessivo nos olhos, reforço na cor da boca, entre outras modificações, que podem ser consideradas um "crime" ao património histórico brasileiro.
"Botaram batom, fizeram sobrancelha, botaram rímel, acabaram com a santa. E era uma santa com 200 anos, ainda estava com a carnação original, só a recuperação dessa carnação primitiva, vai levar um tempo gigantesco", queixa-se o professor, que não descarta a possibilidade de a santa ter origem portuguesa.
"A imagem provavelmente veio de Portugal - mas isso eu não posso botar minha mão no fogo - mas pelo tamanho dela, pelas feições, bem lusitanas, eu acreditaria que ela veio de Portugal", considera.
A imagem, de 1,73 metros de altura, feita em madeira policromada, data do início do século XIX e representa um período de transição entre o estilo Barroco e o Rococó.
"Agora, ficou estilo 'Walt Disney'", critica o historiador.
A polémica Santa Bárbara está alojada na capela de mesmo nome, que fica dentro da Fortaleza de Santa Cruz, da cidade de Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro.
O restauro foi feito no ano passado e só na terça-feira se tornou conhecido, após a denúncia de Teixeira.
Milton Teixeira formou-se em arquitetura e começou a trabalhar no restauro de prédios históricos, especializando-se a partir de então em história e crítica da arte pela Universidade Pontifícia Católica do Rio de Janeiro (PUC).
Possui no currículo ainda uma série de cursos sobre arqueologia e histórica colonial do Brasil e do Rio de Janeiro.
Além de professor, presta consultoria sobre temas históricos ao diário local "O Globo".
O caso reacendeu a memória do desastroso restauro realizado este ano na obra "Ecce Homo", de Elias Garcia Martinez, no município de Borja, na Espanha.
Porta-voz diz que restauro tentou resgatar pintura original
"Ao longo de 200 anos, a imagem foi sendo pintada e repintada. Na fase de decapagem, [os restauradores] descobriram que em alguns pontos tinha três ou quatro camadas de tinta, e aí tentou se chegar à pintura original, de quando a imagem chegou ao Brasil ", afirmou à Lusa o major Migon, oficial do Exército, que detém a propriedade da capela e da fortaleza.
A imagem, de 1,73 metros de altura, feita em madeira policromada, data do início do século XIX e representa um período de transição entre o estilo Barroco e o Rococó.
"O que temos esclarecido é que não foi um trabalho feito por leigos, mas por uma equipa altamente qualificada, com cursos na área. Qualquer outro comentário é a opinião pessoal de cada um", ponderou Migon.
De acordo com o major, o restauro foi concluído em dezembro do ano passado, após um trabalho de seis meses de pesquisa, higienização, decapagem e aplicação de verniz.
A recuperação da imagem de Santa Barbara, segundo o porta-voz, fez parte de uma série de outras, que incluíram obras na própria capela, e não havia recebido até ao momento nenhuma reação negativa.
Com a rápida repercussão, a polémica já ajudou a elevar o número de visitantes na Fortaleza, localizada na cidade de Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro.
"A primeira matéria [na imprensa brasileira] foi publicada ontem [terça-feira] e ontem e hoje [quarta-feira] já sentimos uma curiosidade maior, com o número de visitantes a subir", disse, sem citar números.
De acordo com o porta-voz, não foi possível identificar a origem da santa durante as pesquisas para o restauro, mas ele espera que a visibilidade que o assunto está a ganhar possa ajudar a encontrar documentação a esse respeito.
"Penso que se alguém em Portugal tiver algum documento, uma fonte primária [que indique a procedência da imagem], pode nos ajudar", concluiu.