Rentes de Carvalho homenageado como "dos últimos aventureiros" da literatura nacional
O escritor José Rentes de Carvalho "sofreu", segundo o seu próprio termo, a primeira homenagem na noite de sábado, classificado pelo antigo secretário de Estado da Cultura Francisco José Viegas como um "dos últimos aventureiros" da literatura portuguesa.
Corpo do artigo
Residente em Amesterdão há mais de cinco décadas, José Rentes de Carvalho tem vindo a ser redescoberto nos últimos anos, dizendo Francisco José Viegas, seu editor, que se está a "construir o lugar de um homem que durante anos foi ignorado em Portugal".
Assim, Francisco José Viegas anunciou na homenagem que decorreu no âmbito do festival Literatura em Viagem, em Matosinhos, que o primeiro romance de Rentes de Carvalho, lançado em 1968 pela Prelo com o título de "Montedor", vai ser reeditado em território nacional pela Quetzal em outubro, esperando-se um romance inédito em 2015.
"O que acho que, neste momento ou neste ano, nesta época, as pessoas descobrirão em 'Montedor' é a aflição de querer sair do inferno que Portugal era nessa altura, uma escuridão total nas pessoas, não havia futuro, não havia esperança. Hoje, talvez essa miséria do antigamente se renove e que as pessoas, principalmente aqueles que têm 30 ou 40 anos e que não têm futuro ou se sentem desesperados, encontrarão nesse livro alguma coisa que lhes fale ao coração", afirmou Rentes de Carvalho perante uma sala quase completa na Biblioteca Municipal Florbela Espanca.
O escritor de 84 anos confessou que "Montedor" retrata a história do que lhe teria acontecido a si mesmo caso não tivesse saído de Portugal.
"Eu não tinha qualquer hipótese de construir um futuro em Portugal, eu era rebelde, eu era mau, eu era intolerante, era furioso, tinha uma raiva grande e sair de Portugal salvou-me, porque se tivesse ficado ia ser o protagonista de 'Montedor', o sujeito que está sempre à espera do que sonha e que nunca vai acontecer. Isso cria um desespero interior que é fatal para a pessoa", reconheceu Rentes de Carvalho, que salientou "de vez em quando" ainda sentir "uma espécie de asfixia".
Em março a Quetzal publicou "Portugal, a Flor e a Foice", um olhar sobre os acontecimentos da revolução de 25 de Abril escrito em 1975, que inclui várias perspetivas que o escritor assegura ainda manter.
"Talvez durante umas horas, no dia 26 de abril e depois no 1.º de maio, tive a impressão 'isto com certeza que vai mudar, esta gente é boa ao fim e ao cabo'. Toda a gente se abraçava e ria, mas dentro do peito e bem fundo eu sabia que não podia mudar. Eram as mesmas pessoas. Já lhes tinha dito isso 10 anos antes da revolução: 'Vocês são os mesmos, não mudam, só querem a mesma manjedoura que os outros têm'", afirmou, antes de rapidamente acrescentar: "As moscas mudaram".