
Sara Matos / Global Imagens
Renzo Rossellini participa em ciclo dedicado ao seu pai, que mostrará as dez obras mais emblemáticas do realizador italiano, todas em versão digital restaurada, em Lisboa e no Porto.
Alguns dos filmes chegarão também a Braga, Coimbra e Castelo Branco. O ciclo integra ainda os filmes "Roma, cidade aberta", "Alemanha, ano zero" ou "Stromboli", algumas das obras de uma das referências do neo realismo italiano que morreu em 1977.
Na última carta que Roberto Rossellini escreveu ao filho Renzo, em dezembro de 1976, começava por dizer: "dediquei a minha vida inteira a tentar fazer do cinema uma arte útil para os homens".
Os dez filmes do período mais célebre do italiano que, podem ser vistos no Espaço Nimas, em Lisboa e no Teatro do Campo Alegre, Porto, a partir de 9 de abril, são a prova desse desiderato.
"Não se pode fazer arte sem liberdade e sem ter aprendido a ser firme nas convicções. Mesmo tratando-se de filmes de amor ou de comédia, há sempre mil e uma maneiras de se dizer não a imposições de mercado", defende o filho do realizador, Renzo Rossellini, que, durante anos foi também assistente de realização e posteriormente produtor do pai.
Presente em Lisboa, para falar sobre algumas das películas do ciclo que abrange o período entre 1945, ano de Roma, Cidade Aberta,, e 1958, ano de Índia passando por O amor e A Força da Razão, de 1971, Renzo Rossellini fala do pai com uma enorme ternura. "havia uma grande cumplicidade sempre trabalhamos juntos. Nunca senti esse peso de ser a sombra de algum conceituado. A relação profissional com o meu pai era perfeita. Nunca houve antagonismo entre diretor e produtor. Pelo contrário",confessou ao JN.
Talvez por reconhecer no filho essa capacidade estoica de se anular, Roberto Rossellini reconhece, na última carta que lhe escreveu: "torturei-te durante anos obrigando-te a fazer uma série televisiva histórica em vez de te deixar seguir a tua inspiração", para terminar confessando: hoje que me sinto velho, conforta-me apenas a ideia de que o meu projeto, graças a ti, não continuará inacabado".
O filho tudo tem feito para honrar essa vontade. E, com certo orgulho, mostra no seu telemóvel, as fotografias históricas que guarda de seu pai onde este aparece acompanhado ora de Luchino Visconti, Anna Magnani ou Vitório de Sicca.
"A arte tem de ajudar a pensar. Ensina a opor-mo-nos a coisas monstruosas. Vivemos tempos de horror e temos de aprender a resistir", sustenta para depois responder, quando lhe perguntamos que tipo de filme o pai faria hoje, se fosse vivo. "Penso que ele estaria muito contente com a evolução tecnológica, com as capacidades do digital, que permite que se façam filmes a muito baixo custo. se fosse vivo acho que estaria no Iraque ou no Afeganistão a filmar. Hoje pode fazer-se um filme com baixo orçamento. O que conta é ter ideias não o dinheiro".
Sublinhando que o pai foi um cineasta que esteve sempre muito à frente do seu tempo confessa que não tem um filme favorito. "Sou favorito da obra, no seu conjunto, sempre tão diversificada e sempre um pouco contra corrente".
Reconhecendo a modernidade da obra de Roberto Rossellini, o seu filho, Renzo, lembra que nem sempre ela foi entendida pelo público e pela crítica. "Só agora o mundo começa a compreender coisas que, quando os filmes estrearam, não entendia".
Falando da enorme cumplicidade que existia entre Roberto Rossellini e Luchino Visconti - "este era como um tio, via sempre lá por casa"-, Renzo Rossellini lembrou que, por alturas da guerra, em que Roma foi severamente bombardeada, a sua família costumava refugiar-se numa casa que tinha no campo, bastante distante da cidade. "Visconti também vinha até lá. Passava horas e horas a falar com o meu pai. Creio que muito do neo realismo nasceu dessas conversas".
