
The Paradise Bangkok
Gonçalo Delgado/Global Imagens
Barcelos: dieta dura de rock não sobrevive à passagem do fenómeno The Bug. Revisão da última noite do festival de Barcelos em que o seu diretor foi atirado ao ar.
Houve dois momentos graciosos, e tocantes, que se levantaram espontaneamente na última noite do Milhões de Festa, festival "indie" que na madrugada de segunda-feira encerrou quatro dias consecutivos de concertos em Barcelos. O primeiro deu-se durante a atuação do combo oriental Paradise Bangkok, quando o público desfrutava remansado daquela música tradicional tailandesa coada de folk, dub e blues que o quinteto despejava no palco Milhões. De repente, numa trova mais vivaz, dezenas de espetadores alinham-se em fila e, como um comboio comprido ou uma centopeia humana, desatam a serpentear e a rir pelos meio dos outros espetadores adentro. O segundo apanhou o concerto dos Meridian Brothers, de Bogotá, Colômbia, que faziam rock psicadélico atrás de uma cortina tropical, já a hora avançava pelas 3 da manhã adentro no pátio do palco Vodafone. Formou-se um novo e risonho comboio, converteu-se depois numa roda, e animada, e um homem foi pescado em braços e atirado ao ar - era Joaquim Durães, o "Fua", diretor do festival, a quem o povo agradecia exaltado mais um excelente Milhões. O combo dos colombianos não deixava ouvir, mas gritou-se "hip hip hurray!" e o Fua só se ria, a saltar todo torto levado pelo braços, como um treinador feliz que acabou de subir de divisão.
Pertence ainda à tabela dos pequenos ou médios, o Milhões, que só somou 10 mil espetadores em quatro dias, mas à sua sétima edição, o festival comporta-se e joga como os grandes, capaz de igualar em interesse, entusiasmo e nota artística o seu primo portuense Primavera Sound. Em 2016 o Milhões vai voltar ao Parque Fluvial de Barcelos (que belo recinto rock, só o do seu primo é melhor), mas a data que temos que marcar para começar já o 'countdown' dos dias ainda não foi anunciada.
O cardápio da última noite do Milhões 2015 incluiu uma pesada dieta de variações extremas de rock - e essa escolha escarpada e severa surtiu o mesmo efeito: correu com todas as raparigas sensíveis dali.
Primeiro foram os Dreamweapon, portugueses da nova vaga psicadélica, cheios da distorção, psicodrama, egotrips e lentidão. Agradarão bastante os fãs dos Spacemen 3 - o nome de batismo da banda é tirado do nome de um disco ao vivo dos três de Warwickshire -, mas não se sabe se a muitos mais. Depois vieram os Bad Guys, ingleses, hard-rock-mesmo-hard (a este rock chama-se "rawk", devido à crueza e brutalidade), que parecem estar enterrados em mescalina, vertiginosos e dementes, com duas guitarras de braço duplo muito kitsch, troantes como kalashnikovs, risíveis como tantos dos seus riffs de neanderthal. E por fim os Plus Ultra, trio de power-rock do Porto que estaria condenado ao oblívio, não fosse o seu vocalista, Rui, o "Gon" um rocker chavascado, tresloucar a meio do espetáculo. Desvairado e ameaçador, a disparar insultos e execrações, o "Gon" desceu do seu altar ruído de rock e saltou para os braços do povo, que o elevou alto, ele deitado a nadar de costas entre os braços, como um 'crowdsurfer', sempre a rosnar, e ali passou de mão em mão, como se fosse um santo caído do andor. Tudo naquela coreografia caótica foi primário e genuíno e muito bom.
Com a noite a caminhar aceleradamente para a desgraça de um dieta hipocalórica empedernida, eis que chega, já depois da 1.30 horas da manhã, um valentíssimo tufão de eletrónica que tudo varreu e tudo limpou até à medula da salvação: The Bug. Foi excessivo e infeccioso, asfixiante, ensurdecedor, e totalmente excecional.
The Bug, grupo mutante do inglês Kevin Martin que vicia, trouxe a Barcelos os MC Flowdan e Manga e deu-nos ali a comer ali ao vivo a sua experiência dual "Angels & Devils", disco de ensaio 'dub', 'grime' e 'dancehall' que analisa com bisturis o efeito dos subgraves no corpo humano. Fendido entre uma estridente intensidade meditativa e a explosão, com duas mil pessoas a dançar debaixo das sirenes, o corpo delas não se esquecerá tão cedo dos efeitos daquela possante descarga de "bum!", o maior som que ouvimos nos quatro dias do festival. Colocado de lado no palco, sobreexcitado como uma adolescente dos 1D, viu-se lá em cima Aaron Coyes, dos Peaking Lights, que tinha tocado discos na noite anterior e seguia agora todo reverente cada movimento de mãos do homem dos The Bug. Fez bem, Aaron Coyes, porque muito precisa de aprender. Coyes pouco ou nada trouxe ao Milhões, nem banda, nem flama, nem vigor, nem sequer trouxe a mulher.
