
Anfiteatro natural vai encher
Hugo Lima
23.º Vodafone Paredes de Coura arranca esta quarta-feira. Até sábado, 25 mil pessoas por dia vão ali para ouvir falar de amor e de rupturas. É o último festival do Verão e está cheiinho de rock.
São 39 atos ao vivo em quatro dias (seis no primeiro, já esta quarta-feira, 11 em cada um dos restantes, o último ato é sempre um DJ), mas para muitos, o cartaz do Vodafone Paredes de Coura 2015 é Tame Impala e mais 38. Há razões para o exagero e para abraçar o delírio: o grupo australiano de Kevin Parker mudou e traz o melhor e mais importante disco do Verão, "Currents" - que vem com a cereja que os festivais nacionais muitas vezes não trazem: é novo, saiu há cinco semanas.
Como mudaram os Tame Impala? Muito e de forma chocante: o primeiro single, "Let it happen", é uma poderosa "disco ball" de 8 minutos quase sem guitarras, todo atirado, cheio de truques (o delicioso loop de meio segundo encravado durante 30 batidas) para a pista descarada da dança.
Por que mudaram os Tame Impala? Porque Kevin Parker, cantor, multi-instrumentista e produtor cerebral, 29 anos, mudou. Antes, com "Innerspeaker" (2010) e "Lonerism" (2012), o seu "dream rock" fortemente psicadélico era atapetado de guitarras, cores e riffs em pop-up, todo emaranhado em caleidoscópios, a rebentar de popularidade até aos beatlemaníacos e ao "Revolver". Agora, Kevin Parker diz que é um homem, um homem diferente (é escandaloso que tenha 29 anos), assume que é essa a sua culpa, e sai a surfar do labirinto de ondas para o brilho branco da discoteca interminável. Quase todas as canções são para dançar, há funk, disco, órgãos e baixos a tanger, puxados, e Prince tirou John Lennon do trono.
"Currents" um disco de rutura, que só fala do fim de relações. Coincidentemente, Parker separou-se de Melodie Prochet, a princesa fatal francesa dos novos psicadélicos que vimos no Primavera Sound do Porto acesa num vestido branco ardente. Se dos 39 concertos de Coura só fosse possível ver um, teria que ser Tame Impala. E depois seria Iceage: os protopunkers de Copenhaga, duríssimos até ao segundo disco "You"re nothing", deixaram entrar ar no seu som, expandiram-se e trazem uma maravilhoso "Plowing into the fields of love" em que falam em arar os campos do amor e parece que se apaixonaram por Nick Cave. São uma das cinco bandas a não perder este ano.
Com a afluência mais otimista de sempre confirmada em Coura e os passes de 4 dias esgotados, restam bilhetes diários a 45euro. Diz a organização, também esses estão a acabar: para quinta-feira, dia dos Impala, já não há entradas, restando "poucas centenas" de ingressos para quarta, sexta e sábado.
O que nos espera então nas outras 37 bandas? Muito rock, muitíssimo e de várias variantes, mas sobretudo pós-rock, pós-punk e psicadelismo, eletrónica e nova folk.
Esta quarta-feira, dia do aquecimento (por falar nisso: Coura está como sempre, a abrasar de dia nos 30 graus e com quedas súbitas de temperatura e vento nortenho à noite; não há, na previsão, chuva à vista) é o único dia sem sobreposições nos dois palcos da Vodafone (o mais pequeno, uma tenda negra, é o FM e é para números arriscados e minorias, mas é lá que está quase sempre o melhor e o futuro), porque nos dias seguintes há sobreposições no 1/3 final de cada concerto enquanto há sol. São seis bandas num palco, com dois pratos fortes: Slowdive e as lições de ruído lento do "shoegaze" e o "art rock" de TV On The Radio. Antes deles há a fixação da "power violence" dos americanos Ceremony nos Joy Division, e o "noise pop" áspero dos ingleses Blood Red Shoes (sim, o nome vem dos sapatos que sangram nos pés da Ginger Rogers).
Quinta-feira, dia da gula psicadélica, com os Impala às 0h45 e 90 minutos para tocar, abre com o lo-fi dos Hinds, agrava-se na garagem dos Pond e dos White Fence, mete o barítono Gunn e os Iceage (ninguém os perca por nada!) e, para nos lavar do ruído todo vem Father John Misty que nos falará do amor e da redenção "indie folk" e nos vai pôr a cantar "Bored in tne USA". Há ainda quatro actos portugueses: Tigerman, Mirror People, Nuno Lopes DJ e os Peixe Avião que já são muito mais do que um novo talento.
Na sexta, o cartaz é um rodízio. Os maiores são Mark Lanegan (americana e blues roufenhos), Charles Bradley (soul e R&B de quem nasceu em 1948) e os War on Drugs com o épicos "rock new wave". Mas há finíssimo retro-electro-punk (Merchandise), a arte do "folk" (Waxahatchee) e eletrónica explosiva (Tanlines). Nas 19h50 pode estar a surpresa: um pequeno tufão de surf psicadélico com o quarteto de LA Allah-Las.
Sábado é dia de coroar a sueca Lykke Li ("dream pop" e vampiros), mas a festa vem depois dela: Ratatat e a sua "rocktrónica" de Brooklyn. Antes há muitas amenidades electro-folk (Natalie Prass, Woods, Sylvian Esso), ventos ferozes (os "super-trippy "Temples e os Fuzz com Ty Segall na bateria), mas a surpresa é para os resistentes: Soft Moon, às 2h15, montam um nevoeiro sónico e gótico de pós-punk. Quem aguentar, tem ainda um alemão, Sascha Funke, e descargas emocionais de "tecno-house" que só fecham Coura 2015 quando o corpo deixar.
