O polémico filósofo marxista esloveno Slavoj Zizek defende no livro "Problemas no Paraíso", publicado em Portugal, que o problema da esquerda foi o abandono do "horizonte comunista" como conceito ideológico.
O livro "Problemas no Paraíso -- o comunismo depois do fim da história" parte do princípio de que "o capitalismo oferece o pior dos futuros" para aprofundar a reflexão sobre os movimentos de protesto inorgânicos e os "dramas" da esquerda face à globalização.
Para o autor, galardoado pela Faculdade de Belas Artes do Porto em 2014 com a medalha de honra, não existe "qualquer espécie de visão capitalista do mundo" porque a lição fundamental a retirar da globalização é a de que as técnicas de acumulação de capital conseguem acomodar-se a todas as civilizações: "de cristãos a hindus e budistas, de leste a oeste" cuja forma mais extrema se traduz através do neoliberalismo.
Para o filósofo, de 66 anos, e diretor internacional do Instituto de Humanidades de Birbeck, na Universidade de Londres, a maior parte das gigantescas somas de dinheiro dos resgates financeiro aos países em crise (Portugal, Irlanda, Grécia e Chipre) foram encaminhadas diretamente para os "titãs desgovernados" que falharam nos "esquemas criativos" e, desse modo, provocaram o colapso das economias levando a protestos desorganizados.
No livro, o esloveno escreve que a auto-organização direta das manifestações é um "mito" e a "mais profunda das ilusões" porque as ideias não perduram no tempo, apesar dos momentos de intensa participação coletiva e "êxtase" durante os quais as comunidades locais debatem e decidem, em constante estado de emergência, sem "um chefe a guiá-las".
"São apenas vários grupos a interagir maioritariamente por via dos novos media, como o Facebook ou o Twitter, coordenando a sua atividade espontaneamente. É por este motivo que os aparelhos de poder policial falham quando querem descobrir comités secretos de organizadores", sublinha, questionando se esta "auto-organização molecular espontânea" é realmente a melhor forma de "resistência".
Desta forma, como marxista, defende que devem ser recusadas todas as estruturas de "horizontalismo anárquico" e de desconfiança em relação às estruturas hierárquicas.
Verifica-se uma forma quase "dolorosa" na forma como se encara o desaparecimento da esquerda radical da realidade política e ideológica atual, escreve Slavok Zizek que, recusando o totalitarismo e os crimes bárbaros do estalinismo, defende uma nova visão sobre "os horizontes comunistas".
"Os sobreviventes da velha esquerda radical são como mortos-vivos simpáticos, vestígios de outra era, estranhos que vagueiam num mundo estranho" usando como exemplo o grupo revolucionário "Weather Underground" que atuou nos Estados Unidos após 1968.
Para o autor, as acusações de que o grupo provocou o afastamento da esquerda norte-americana "da luta" não passou de uma manipulação até porque "a sua ação direta" destinava-se a destruir edifícios e não pessoas.
"O recurso à violência pelos 'Weathermen' foi uma tentativa desesperada de reagir aos falhanços do grupo 'Students for Democracy Society' na mobilização de pessoas a pôr cobro à guerra do Vietname. Ou seja, o falhanço da esquerda era já evidente: a violência dos 'Weathermen' era o sintoma desse falhanço, o seu efeito e não a sua causa", escreve.
O livro "Problemas no Paraíso -- o comunismo depois do fim da história" (editora Bertrand), que relata também o encontro entre o autor e o criador do WikiLeaks, Julian Assange, e a crise na Ucrânia, foi lançado na semana passada em Portugal.
