Paula Neves, atriz de 36 anos, conta como lida com a infertilidade e critica falta de apoios.
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Assumiu publicamente, no ano passado, que não conseguia ter filhos sem recorrer a ajuda médica. Recentemente, assinou a petição pública "Apoiar a Infertilidade em Portugal". Por que se associou a esta causa?
Acho que é importante falar do assunto. É um assunto que me diz respeito, pelo qual estou a passar, é uma temática que me toca diretamente. Estas causas que me são mais chegadas ao coração e à minha vida pessoal costumo abraçá-las e lutar por elas. E, dessa forma, dar uma certa visibilidade ao tema, passando a palavra.
Acha que é um tema que as pessoas escondem, têm vergonha?
Não sei porque o fazem, sei que não é um tema falado ao nível a que acontece. O número de pessoas afetadas por isso, a importância que tem nas suas vidas, é uma coisa enorme e fala-se muito pouco na praça pública.
Que tipo de apoios existem para as pessoas que sofrem de infertilidade?
Poucos. O conceito de família mudou. As pessoas saem de casa mais tarde, têm filhos mais tarde também. Penso que o Estado e as suas políticas não acompanharam esta mudança da família nuclear e acho que é importante falar disso. Não se compreende porque é que o Estado só dá apoios a tratamentos de fertilidade até aos 30 anos. É uma coisa absurda. Sinto-me marginalizada, sinto-me posta de parte, por ter mais de 30 anos. Como não fui mãe naquela idade, agora não tenho apoios de lado nenhum. Acho que isso transporta e carrega consigo uma injustiça muito grande e está totalmente desadequado do que eu acho que, hoje em dia, é normal e o caminho natural de uma família.
Quanto pode custar um tratamento de fertilidade?
Há vários preços. Mas são tudo coisas muito caras. Principalmente, porque as tentativas são muitas e os procedimentos também. É o tratamento que custa x, o exame que custa y. E depois, se não resulta, faz-se nova tentativa que custa x, cada consulta e deslocações custam mais x. Portanto, isto é tudo o acumular de parcelas cada vez maiores.
Estamos a falar de milhares de euros?
É impossível fazer um orçamento, porque depende de caso para caso.
Como é que está a viver este momento, em que está a fazer tratamentos?
Uma pessoa vai vivendo. Isto mexe muito com o sistema nervoso e com a ansiedade. Penso que cada um tem de seguir o seu percurso. Isto mexe muito comigo, de tal forma que precisei de parar. Não é o meu último objetivo de vida: se tiver filhos muito bem; se não tiver, não tenho. Estou numa fase de lidar com o sistema nervoso, dar tempo ao tempo. Quando se começam determinados processos, chega-se a uma altura que isso nos absorve demasiado a cabeça, o tempo e o sistema nervoso. E já não estava a conseguir gerir bem tudo isto. É preciso parar, sei que o caminho de cada um é diferente, tenho amigas que não param, fazem os tratamentos todos seguidos a tentar engravidar, eu não sou assim. Precisei de parar, de respirar fundo, para depois voltar a tentar. Nesta fase, é assim que estou: a continuar, a não desistir, com otimismo, com vontade, com entrega, mas também com pés na terra, com calma, sem stress e sem dramas.
Parou há quanto tempo?
Desde fevereiro.
Quando é que percebeu que não conseguia engravidar?
Não é uma coisa que se receba como uma notícia. Fomo-nos apercebendo, porque a coisa não acontecia. No meu caso, não houve nenhum médico a dizer-me que eu tinha um problema clínico específico. Depois de ir à consulta, dizem-me que eu vou conseguir, para não pensar nisso. Tomo um comprimido, passo por este processo, por aquele, mas o tempo passa e acaba por definir essa situação. Vamos lidando com isso.
Pensa em voltar aos tratamentos?
Vou gerir com muita calma. Vamos ver. Acredito na vida, no ritmo natural das coisas, acredito neste mundo onde estamos. É deixar seguir o caminho.
Sente muita pressão por parte das pessoas, ao questionarem-vos quando vão ser pais?
Senti muita pressão, muita mesmo, até assumir o problema. A partir daí, parou. Foi mesmo por isso que assumi, eu já não conseguia, já não suportava que me questionassem por que não engravidava. As pessoas metem-se demasiado. Quando se namora, perguntam por que não casamos; quando nos casamos, perguntam quando temos filhos. Acho indecente, sou incapaz de dizer isso a alguém. Acho que é um hábito muito social, em que toda gente acha que pode falar da vida dos outros. Aquilo estava a incomodar-me de uma maneira, que já dava respostas tortas. Não é justo, mas as pessoas não faziam com maldade. Por isso, decidi assumir publicamente. Não é nenhuma vergonha, não é nenhuma incapacidade, não sou menos mulher por não conseguir engravidar. Houve essa necessidade, também para me assumir a mim própria, para me assumir na minha cabeça, para processar isto tudo.
Alguma vez pensou em adotar?
Não pensei nisso, não estou nessa fase. Logo se vê.
A Paula e o Ricardo ficaram mais próximos com todo este processo?
Não, já éramos muito próximos. Não noto que isto tenha feito alguma coisa à nossa relação, nem afastar, nem aproximar. Nós somos o que somos. Isto não nos influenciou. Eu lido com isto de uma forma mais nervosa e ansiosa, o Ricardo lida de uma forma mais tranquila, mais relaxada, de dar tempo ao tempo. O que ajuda muito. Nós estamos bem, se vier um filho é excelente, se não vier, vamos ficar bem à mesma.
Na novela da TVI "O beijo do escorpião", dá vida a uma personagem muito forte, que lida com um filho que tem uma doença rara, a síndrome de Prader Willi.
Sinto que estou a dar voz a algo que não é muito conhecido, nem falado na sociedade. Sinto isso pelo feedback que tenho recebido através de mensagens de muitas pessoas, que se identificam com o processo que na novela estamos a passar, e falam-me da importância que é estarmos a falar destas coisas. Sinto essa responsabilidade e o prazer de participar nesse lado mais ativo.
Fez alguma pesquisa para preparar a personagem?
Sim, nunca tinha ouvido falar nesta síndrome. Tivemos que perceber o que é esta doença, de falar com a Associação de Doenças Raras para perceber como é, falámos com pais para saber como se lida com um filho assim. Tive de aprender. Normalmente, as pessoas que vêm falar comigo até têm mais informação e experiência do que aquilo que está a passar. Há pessoas que me dizem que aquilo os ajudou a ir diagnosticar os filhos. Identificam muito os sintomas, e depois encontram o seu caminho na medicina. Não me sinto com conhecimentos suficientes para dar conselhos. O que fazemos é uma troca de experiências.
Estando a gravar, consegue ter tempo para si?
Tenho. A intensidade de gravações nas novelas depende muito dos protagonistas. Eu não estou assim tão carregada, consigo estar a gravar e a fazer as minhas coisas à vontade.