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Quando, há pouco mais de uma semana, os Bombeiros de Anadia saíram para um incêndio em Castanheira do Vouga, a primeira coisa em que João Matos pensou foi na tragédia que, há 20 anos, matou 13 bombeiros e três civis. Quatro desses bombeiros que morreram em serviço pertenciam, tal como João Matos, à corporação de Anadia. "Tivemos de ir para lá nesta altura, tão próxima de mais um aniversário da tragédia", diz, com algum pesar, um dos sobreviventes da tragédia que, na altura, pôs de luto os concelhos de Águeda e Anadia.
Ao fim de 20 anos, João Matos não conseguiu esquecer o que viveu na madrugada de 13 para 14 de Junho de 1986. "Não tenho hipótese nenhuma de esquecer aquele dia. Lembro-me muitas vezes do que aconteceu. Era bom não me lembrar. Naqueles dias em que uma pessoa anda mais em baixo, vem-nos tudo à memória", sublinha.
João Matos conduzia um dos carros dos bombeiros de Anadia que combatia as chamas em Castanheira do Vouga e Agadão. Diz que fez a viagem duas vezes, "mas só à segunda é que vimos fogo". Nessa altura, a única coisa que pude fazer foi "correr até ao rio". "Não sabia nadar. Mas entre morrer queimado e afogado pelo menos tentei e consegui chegar à estrada", recorda o bombeiro.
Só quando o dia amanheceu e quando voltaram ao local onde João Matos tinha deixado o carro é que se aperceberam da dimensão da tragédia. "Houve quem não tivesse conseguido sair de lá. Morreram queimados", lamenta João Matos, dizendo que não gosta de "recordar estes momentos".
Ao contrário dos 13 bombeiros e dos três civis que perderam a vida nas chamas, João e os quatro homens que o acompanhavam no carro sobreviveram. "Passei três meses internado no hospital, com várias queimaduras. O pescoço foi a zona mais afectada, mas os braços e as pernas também não escaparam", diz João Matos, mostrando as cicatrizes que ainda tem nos braços e que não o fazem esquecer da madrugada de 13 para 14 de Junho.
Na altura tiveram de receber acompanhamento psicológico, que João Matos diz ter sido fundamental. "Todos precisávamos de ajuda. Não foi fácil ultrapassar a perda dos colegas", diz. Apesar de tudo, nunca desistiu de ser bombeiro. Desde 1973 que veste a farda, mas garante que sempre teve algum medo. "Se fosse hoje, não sei se conseguiria passar por tudo aquilo que passei naquela madrugada".