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A existência de equipas de médicos dedicadas exclusivamente às urgências tem, nalguns hospitais, resolvido parcialmente o problema da falta de clínicos. Mas só parcialmente. Somam-se--lhes tarefeiros (pouco apreciados entre os profissionais) e especialistas em horários normais de banco. Todos pagos de forma diferente.
Há dias, conta o bastonário da Ordem dos Médicos, havia no S. Francisco de Xavier (em Lisboa, onde vários médicos estão demissionários por falta de condições) um médico a ganhar 11 euros por hora, outro 18 e um terceiro 80. Sem diferenciação técnica entre si, a não ser no que ao vínculo diz respeito. O primeiro tem um contrato individual de trabalho, o segundo é da Função Pública, o terceiro tarefeiro.
"O valor-hora que as empresas de prestação de serviços médicos cobram chega a ser oito a dez vezes superior ao que um médico do quadro aufere. Não há limites, ao contrário do que acontece com os profissionais, cuja remuneração está regulamentada", explica Mário Jorge Neves, da Federação Nacional dos Médicos (FNAM). "As urgências estão a funcionar nos limites", com o êxodo massivo de médicos, sobretudo mais diferenciados, para o privado.
A culpa, diz Pedro Nunes, é da desregulação que foi sendo introduzida no sistema pelos últimos governos. "Criaram-se mecanismos de mercado em que as empresas de mão-de-obra souberam aprender a viver das carências", o que lhes permite cobrar o que entendem. "Com a agravante de que há alturas em que os tarefeiros não trabalham, como o Natal", e de que se acabou com a "responsabilidade e reconhecimento mútuo" que caracterizavam uma equipa de urgência.
Tal reconhecimento é impossível quando, por exemplo, em vez do nome do médico escalado consta uma empresa de prestação de serviços, diz Merlinde Madureira, da FNAM. "É o desmoronamento das relações de trabalho e do hospital público".
A solução para as urgências, defende Pedro Nunes, passa por "remunerar a sério" criar uma remuneração mais clara, reactivar as carreiras médicas (em que todos ganham o mesmo) e pedir um esforço suplementar por mais oito anos aos médicos com mais de 50 anos, dispensados de fazer urgências, até se formarem mais médicos.
A criação das equipas dedicadas pode ser uma solução temporária, mas não deverá, nunca, diz o bastonário, ser exclusiva. Deve funcionar como "estrutura permanente, para fazer a transição de umas equipas para outras". Um pouco na linha do que recomendou a comissão de peritos que desenhou a nova rede de urgências. "A ideia é ter equipas dedicadas que assegurem parte do serviço ou do horário", explica Luís Campos, membro daquela comissão. "Cria continuidade assistencial e de gestão", cabendo aos especialistas de cada hospital assegurar o resto. É a solução aplicada no Hospital de S. João, Centro Hospitalar de Gaia, Pedro Hispano (Matosinhos) e Vale do Sousa (Penafiel).
Estas equipas recebem uma remuneração diferenciada que, segundo Luís Campos, faz todo o sentido, porque, "o trabalho na urgência é cansativo e stressante". E "é diferente passar lá 12 horas ou uma semana inteira".
Além das desigualdades salariais, a falta de especialistas no banco também põe em causa a qualidade do atendimento. "As urgências estão a funcionar sem o número mínimo de especialistas aconselhado pela OM e definido na lei", garante Carlos Arroz, do Sindicato Independente dos Médicos. E a frequente presença de mais internos do que especialistas coloca em causa a própria formação, diz. "Se a OM - a quem compete fiscalizar - fosse a ASAE, fechava todas as urgências do país".