Após vários meses sem reagir ao drama social que deixa na rua mais de 500 famílias por dia em Espanha, o governo de Rajoy reuniu de urgência para tentar evitar os despejos de pessoas carenciadas.
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Tinha 53 anos e vivia em Barakaldo, no País Basco. Antes de que chegasse a comitiva judicial que ia expulsá-la de casa, Amaia Egaña decidiu atirar-se pela janela do quarto andar que habitava, falecendo de imediato.
A terceira vítima mortal do drama dos despejos era filha de um histórico militante socialista e tinha sido, ela própria, vereadora na sua localidade natal.
Trata-se do terceiro suicídio motivado por uma ordem judicial de despejo em Espanha em menos de um mês, após outros dois casos ocorridos em Granada e nas Ilhas Canárias. Foi também o novo sinal de alarme que fez o governo espanhol acelerar os contactos com a oposição, com vista a tomar medidas para travar o que nos últimos meses se converteu numa verdadeira avalanche de despejos.
Nas últimas semanas, multiplicaram-se também as vozes contra as injustiças associadas à cobrança de créditos hipotecários no país: um grupo de magistrados denunciou num relatório "as más práticas das entidades bancárias" e propôs medidas para proteger as famílias, como estender aos clientes endividados uma parte da ajuda financeira concedida pelo Estado aos bancos.
O próprio Tribunal de Justiça da União Europeia concluiu que a lei de despejos espanhola vulnera as normativas comunitárias e não garante uma protecção eficaz aos consumidores contra possíveis cláusulas abusivas presentes no contrato hipotecário. Desde que rebentou a bolha imobiliária, há quatro anos, são já 350 mil o total de famílias despejadas em Espanha, um país que acumula também cerca de seis milhões de casas vazias.
Após reunir de urgência, o Governo decidiu pedir aos bancos uma moratória da execução hipotecária para os casos de famílias em situação vulnerável.
"Só peço o arrendamento social"
O apartamento que habitam em Aranjuez, nos arredores de Madrid, foi a única casa que os dois filhos conheceram. Há 14 anos Belén Borrego Martín contraiu um empréstimo de 240 mil euros com o banco Santander e há já vários meses que deixou de conseguir pagar a hipoteca. No passado foi vítima de violência doméstica e atualmente está desempegada, recebendo apenas um pequeno apoio social que destina integralmente aos cuidados dos dois filhos, de 11 e 13 anos.
Com despejo marcado para o próximo mês de Fevereiro, Belén decidiu fazer tudo o que estiver ao seu alcance para evitar ver os filhos colocados na rua, até porque "se nos despejarem, perco também a custódia deles", disse ao JN.
Resolveu então pedir apoio legal à Plataforma de Afectados pela Hipoteca e está a preparar-se para tentar negociar com a entidade bancária que a financiou para pedir um arrendamento social. Como forma de pressão, vai apresentar as 6.000 assinaturas que conseguiu reunir em apenas um mês.
Nas últimas semanas, desloca-se diariamente ao acampamento que um grupo de dezenas de ativistas montou em Madrid diante da sede do Bankia. Embora tenha sido resgatada com dinheiro público, esta é também a entidade financeira que mais famílias sem casa deixa diariamente na Comunidade de Madrid.
O que mais preocupa muitos dos afetados, é o facto de saberem que, após executar o despejo, os bancos tratam ainda de ir buscar o dinheiro em falta aos avalistas, acorrentando assim famílias completas.
"O que nos vale é que podemos contar com a solidariedade de tantos voluntários e de outras pessoas na mesma situação", garante Belén, que mantém a esperança de que os filhos possam continuar a viver no atual apartamento. Até porque "embora esteja esquecido, a habitação é um direito fundamental, consagrado na Constituição", lembra.