
KCNA SOUTH KOREA/EPA
Em 1993, o neurocirurgião francês François-Xavier Roux recebeu uma chamada telefónica de um responsável norte-coreano não identificado. O então futuro líder Kim Jong Il sofreu um traumatismo craniano numa queda de cavalo e necessitavam dos seus conselhos. Quinze anos mais tarde os norte-coreanos voltaram a contactá-lo. Desta vez, era mais urgente!
Roux foi levado de avião para Pyongyang numa operação tão secreta que o médico francês só soube quem era o paciente quando foi levado perante um frágil Kim Jong Il prostrado numa cama e ladeado pelos seus médicos.
"Estavam visivelmente ansiosos com a situação - talvez por isso tenham pedido um médico estrangeiro, já que eu não tinha problemas em questionar Kim Jong Il ou dizer-lhe o que fazer", explica Roux, que também se encontrou com Kim Jong Un, sobre quem disse parecer preocupado com o agravamento do estado de saúde do pai.
Os meios de comunicação oficiais da Coreia do Norte reconheceram pela primeira vez, no mês passado, que Kim Jong Un sofre de um "desconforto" devido a razões de saúde não especificadas, o que deu origem a uma vaga de especulações sobre a doença em causa.
A Coreia do Norte, fundada pelo avô de Kim Jong Un quando a península coreana pós invasão japonesa foi dividida entre Norte e Sul, em 1945, é uma ditadura hereditária, o que transformou a saúde dos seus líderes num tema muito sensível.
Kim, de 31 anos e frequente centro da propaganda do regime, não é visto em público desde o passado dia 3 de setembro, quando assistiu a um concerto juntamente com a mulher. Um vídeo de julho mostrou-o a mancar.
O tempo que Roux passou em Pyongyang para tratar Kim Jong Il deu-lhe uma capacidade sem paralelo entre os ocidentais de conhecer as instalações de saúde disponíveis no país, mantido em isolamento pela família regente.
"Os médicos eram muito competentes e durante as sessões de trabalho as conversas que tive com eles eram exatamente como se estivesse a falar com médicos europeus. Estavam ao mesmo nível médico que eu", afirmou Roux em declarações telefónicas à agência Reuters. "Eles tinham quase tudo. Tinham instalações muito boas".
"Condições primitivas"
Tecnicamente, os cuidados de saúde são gratuitos na Coreia do Norte mas anos de falhanços na política económica e a falta de produtos básicos significa que muitas vezes que apenas aqueles que com dinheiro suficiente podem comprar medicamentos no mercado negro conseguem os tratamentos de que necessitam.
"As condições eram muito simples em todo o lado, até primitivas. Havia pessoal mas pouco equipamento - vimos garrafas de cerveja recicladas como garrafas de soro", recorda James Hoare, um diplomata inglês que visitou hospitais das regiões rurais da Coreia do Norte no início dos anos 2000. Relatórios recentes sugerem que a situação melhorou, mas não muito.
Para a liderança, porém, nenhuma despesa é poupada.
Nos últimos anos de vida, Kim Jong Il foi sujeito a vários exames na secreta Clínica Ponghwa, no centro de Pyongyang. Uma grande e moderna estrutura rodeada por espessa vegetação e equipada com um heliporto, a Clínica Ponghwa sofreu importantes obras de renovação nos anos que se seguiram à morte de Kim Jong Il, confirmam imagens de satélite tiradas ao longo dos anos.
"Se Kim Jong Un foi aconselhado a não participar em acontecimentos públicos por motivos de saúde, então ele está provavelmente aos cuidados da equipa da Clínica Ponghwa", afirma Michael Madden, um perito em questões relacionadas com a liderança norte-coreana.
Quase invisível das ruas e do pequeno canal que corre a seu lado, a Clínica Ponghwa é inacessível a todos menos à elite central de Pyongyang e aos respetivos familiares. Está ainda sujeita a uma forte vigilância militar e é suspeita de contribuir para o programa de armamento desenvolvido no país de forma quase isolada do resto do Mundo.
Em 2006, a Polícia de Tóquio prendeu um cidadão norte-coreano por tentar exportar um liofilizador para a clínica, que se suspeitava pudesse ser usado no fabrico de armas biológicas.
Os palácios da família Kim, grande complexos ostentando iates, jet skis e cavalos puro-sangue, estão também equipados com centros médicos especializados. Foi, aliás, num desses que Kim Jong Il recuperou do seu acidente vascular cerebral.
Curtis Melvin, um investigador da Johns Hopkins School of Advanced International Studies, afirma que Kim Jong Un pode estar a ser tratado num desses palácios. "De acordo com as imagens divulgadas pelos meios de comunicação norte-coreanos, Kim Jong Un passa muito tempo nos complexos da família em Kangdong e Wonsan. Cada complexo habitacional tem instalações médicas adequadas e seria capaz de o receber", explica Melvin.
"Jovem magro"
Tal como o seu pai, Kim faz viagens regulares pelo país com uma comitiva de médicos e enfermeiros, afirma também Michael Madden.
Estas viagens são documentadas passo a passo pelos meios de comunicação oficiais, daí que se estranhe a atual pausa de um mês nesta vaga de propaganda ao longo da qual são mostradas visitas do seu jovem e energético líder a fábricas e explorações agrícolas.
Esta não é a primeira vez que Kim Jong Un desaparece dos acontecimentos públicos. Em junho de 2012, seis meses após chegar ao poder, os meios estatais estiveram 23 dias sem falar sobre a sua atividade ou mostrar fotos suas. Ressurgiu no mês seguinte num dolfinário. Agora com 31 anos, parece ter ganhado peso nos meses que seguiram, em 2013, à purga e execução do seu tio, Jang Song Thaek.
Observadores especulam que o aumento de peso de Kim e os seu historial familiar contribuiram para o seu estado, o que poderá explicar a recente maneira de andar e o coxear.
Roux, que continua a afirmar não saber porque foi escolhido pelos norte-coreanos, recusou dar quaisquer detalhes sobre os procedimentos que efetuou em Kim Jong Il ou se foi pago, invocando a confidencialidade médica e de estado. Porém, relata algumas mudanças em Kim Jong Un desde que o conheceu em 2008.
"Quando o vi, era um jovem que apresentava emoções normais relativas ao seu pai, que estava doente. Parecia muito ansioso sobre isso. Era muito discreto, não se apresentou como um grande líder", recorda François-Xavier Roux. "Fisicamente, ele não se parecia com o que é agora. Era um jovem magro".
