
Disputam-se as eleições mais imprevisíveis de sempre num país habituado a maiorias absolutas
Neil Hall/Reuters
Num Reino Unido habituado a maiorias absolutas e à estabilidade política, a única certeza que se pode esperar para esta quinta-feira é que termine sem um vencedor claro nas eleições. É o ato eleitoral mais imprevisível da história britânica: ninguém sabe com que governo irá acordar amanhã.
"Há inúmeras possibilidades de coligações em cima da mesa", diz ao JN Will Cooper, membro do Partido Trabalhista, admitindo que a "nova era do multipartidarismo" no Reino Unido veio complicar as contas dos grandes partidos. Praticamente empatados nas sondagens, trabalhistas e conservadores sabem que amanhã terão que iniciar complexas negociações para conseguirem formar governo.
Tendo em conta que o líder trabalhista, Ed Miliband, já rejeitou unir-se com o único partido que poderia dar-lhe uma maioria na Câmara dos Comuns, o Partido Nacional Escocês (SNP), o cenário mais provável será o de um Governo minoritário. Isto porque "as alianças com os partidos mais pequenos não serão suficientes para alcançar uma maioria parlamentar", sublinha Eunice Goes, professora de Ciência Política na Universidade de Richmond, em Londres.
Em 2010, a união dos conservadores de David Cameron aos liberais democratas foi suficiente para formar Governo, mas este ano o partido de Nick Clegg não poderá servir de o fiel da balança. Se há cinco anos os centristas conseguiram 23% dos votos, este ano não deverão ultrapassar os 9%, devido ao forte descrédito que sofreram ao apoiar a política de austeridade aplicada pelos tories. Embora os partidos mais pequenos mostrem pujança (o UKIP pode chegar aos 13% e os Verdes aos 7%), o sistema eleitoral britânico, que elege apenas o candidato que ganha em cada círculo eleitoral, impede que estes tenham uma representação parlamentar proporcional e, consequentemente, possam ter uma palavra a dizer na constituição do novo Governo.
No Reino Unido vota-se de forma tática: Jack Smoothie, por exemplo, é simpatizante dos Verdes, mas vai votar nos trabalhistas porque "é a melhor forma de impedir que ganhem os conservadores" no círculo eleitoral a que pertence.
O sistema eleitoral uninominal é, por isso, apontado como impeditivo para o crescimento dos pequenos partidos que, ainda assim, têm conseguido reforçar os apoios com o progressivo descrédito das duas formações maioritárias. Muitos dos britânicos desiludidos com a política acabam, contudo, por não votar, fazendo com que o Reino Unido tenha vindo a registar um aumento da abstenção (35% em 2010).
Campanha Estado social e contratos de zero horas em foco
Maike Alban tem dificuldade em fazer planos com os amigos depois do trabalho: nunca sabe a que horas vai chegar a casa. Ora faz o turno de manhã, ora o da tarde, ora fica todo o dia em casa à espera de ser chamada. A jovem de 25 anos presta cuidados a pessoas com necessidades especiais com um "contrato de zero horas". Ou seja, o empregador não tem obrigação de lhe garantir trabalho, pelo que Maike nunca sabe quanto vai receber no final de cada mês. O modelo proliferou com o eclodir da crise económica: hoje, há cerca de 700 mil trabalhadores nestas condições no Reino Unido. O tema esteve, por isso, em foco durante a campanha eleitoral, sendo que o líder trabalhista, Ed Miliband, prometeu mesmo acabar com este tipo de contratos precários. Em destaque esteve também o tamanho do Estado social (que sofreu grandes cortes com o Governo de David Cameron) e do Sistema Nacional de Saúde.
No entanto, muitos continuam sem conseguir identificar as diferenças entre trabalhistas e conservadores: "O Labour não tem contestado a narrativa segundo a qual o Estado é demasiado grande e o controlo da dívida é fundamental", assinala Charice O"Brien, membro do UK Uncut, uma plataforma que luta contra a austeridade. "Os conservadores criaram uma cultura contra quem recebe apoios sociais e os trabalhistas não a têm refutado de forma contundente".
