
Joanesburgo, África do Sul
Leonel de Castro/Arquivo Global Imagens
A África do Sul está numa encruzilhada entre a democracia, a cleptocracia e a anarquia, diz o filósofo e cientista político Achille Mbembe. No dia da não discriminação racial, denuncia um paradoxo: "Quantos mais meios temos para conhecer outras pessoas, mais aspiramos a não as conhecer".
A África do Sul e Nelson Mandela corporizaram o ideal nação arco-íris, de integração social. O país está no caminho de o realizar?
Não. O problema da ideologia é que não responde às reivindicações por justiça. Deixa intocáveis as estruturas que, durante séculos, desumanizaram os negros. Muitos continuam sem abrigo, educação, alimentação, saúde, dignidade, acesso a capital cultural e capacidade para escapar à humilhação diária.
Teria sido melhor uma revolução, semelhante à do Zimbabué?
Alguns sul-africanos acreditam que em 1994 [quando Mandela foi eleito presidente país] houve um impasse. Muitos acreditam que teria sido melhor uma derrota pública da supremacia branca. A geração mais jovem acredita que, em 1994, lhes venderam uma mentira, acreditam que Nelson Mandela os impediu de, em público, derrotar a supremacia branca e assumir controlo sobre a sua vida. A maior parte do discurso público é sobre descolonização, não reconciliação.
Pode haver uma reação violenta contra a comunidade branca?
Não sei, mas os jovens não se inibem de glorificar a violência. A África do Sul está numa encruzilhada entre a democracia, a cleptocracia e a anarquia. Há forças dentro do partido no poder a tentar transformá-la numa cleptocracia; forças sociais a sonhar com um movimento de insurreição, violento se necessário, na expectativa da libertação total; e há forças interessadas na anarquia.
A comunidade portuguesa está bem integrada na sociedade?
É uma comunidade muito diversa. Algumas pessoas estão isoladas, mas algumas prosseguem a tradição de abertura e miscigenação com as populações que as rodeiam.
O mundo de hoje é mais tolerante?
Não, estamos num momento de regressão, onde quer que se vá.
A crise dos refugiados na Europa está ligada a questões raciais, religiosas, de nacionalismo?
É tudo isso e também económica. Nesta idade de neoliberalismo, em que as medidas de austeridade privaram os europeus de qualquer palavra a dizer sobre o seu futuro, é fácil procurar por bodes expiatórios e culpá-los pela sua impotência. E a Europa acredita que se pode separar do resto do mundo, viver como uma ilha no meio de ruínas.
À medida que as pessoas são mais ricas, instruídas e informadas, poderiam tornar-se mais tolerantes. Mas acontece o oposto...
Quantos mais meios temos para conhecer outras pessoas, mais aspiramos a não as conhecer. Nunca na história da Humanidade tivemos tantas possibilidades para conhecer outras culturas, sociedade e história e, no entanto, a indiferença é cada vez mais a norma. Esse é o paradoxo a que assistimos e que temos de resolver.
