Definitivamente, não é fácil deixar-se o Creoula. E o fenómeno é vivido - ainda que a tempos e sentidos distantes - por militares e civis que seguiram embarcados no veleiro da Marinha, no embalo do Atlântico onde navegou a 10ª edição da Universidade Itinerante do Mar, com o JN a bordo.
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No caso da guarnição militar, perto de 60% dos praças já pediu para prolongar a comissão de serviço. Como os marinheiros Plácido Jesus e Dário Baiôa, de 28 e 27 anos, que já estão no Creoula há quatro anos, altura em que o destino voltou a juntá-los - ambos são naturais de Mértola, onde estudaram na mesma escola; voltaram a encontrar-se no curso de marinheiros e, depois, no antigo bacalhoeiro que hoje é navio de treino de mar para civis.
"Gosto de estar aqui, do contacto com os civis e da integração deles na vida a bordo. Eles entram no nosso mundo e têm um pouco a noção do que é a vida militar, embora aqui seja mais flexível", diz o 1º marinheiro Jesus. "Quando acabei o curso, tive oportunidade de escolher o navio e escolhi o Creoula. Sabia mais ou menos qual era a missão dele, e achei engraçado porque é uma coisa totalmente diferente do que se faz na Marinha", destaca o 2º marinheiro Baiôa.
"Eles gostam de cá estar e da possibilidade de serem também um pouco formadores", explica o comandante do Creoula, capitão-de-fragata Cruz Martins, sublinhando que os pedidos de renovação das comissões reflectem a "satisfação dos militares".
Também do lado da UIM (parceria entre as universidades do Porto e Oviedo e Escola Naval) há quem embarque no veleiro repetidas vezes, como o espanhol Fermín Rodríguez, que em 2006 foi um dos mentores do projecto e que soma 15 embarques, ou Rui Cabral e Silva, director de treino da UIM, que vai no nono. "Para mim não é só uma experiência de navegação, mas de formação. Damos aos estudantes universitários uma série de valores como generosidade, paciência, capacidade de interacção... O saber estar no mar é muito parecido com o saber estar na vida", sustenta o professor da Universidade de Oviedo.
Rui Cabral e Silva, da Universidade do Algarve, conta que "foi difícil largar" a vontade de embarcar nas campanhas da UIM, nas quais participa desde 2007. "Há um passado familiar ligado à Marinha que, de certo modo, me fez regressar e gostar de estar neste ambiente", refere o professor de Biologia Marinha, revelando ainda que "houve uma forte identificação com os objectivos deste projecto".
A bordo seguiram ainda instruendos que contam com três embarques consecutivos, como Ana de Diego, de 24 anos, e José Salazar, de 63. "É uma oportunidade única, que não se encontra em nenhum outro sítio. Tudo o que se vive aqui é muito intenso, e se pudesse voltar de novo, voltava", garante a estudante espanhola de Medicina. "Já tinha vindo em 2013, e gostei tanto que repeti em 2014 e neste ano. Há sempre coisas diferentes, e é um projecto interessante", refere o reformado do Porto, que em jovem chegou a ser marinheiro.
Um navio com alma
"Este navio tem uma história única no país", começa por contar o comandante do Creoula. Além de ter sido construído em tempo recorde - 62 dias úteis - em 1937, nos estaleiros da CUF, em Lisboa, este navio "foi o único veleiro que se manteve sempre com bandeira portuguesa e operacional", refere Cruz Martins, acrescentando que o antigo bacalhoeiro "sobreviveu a vários outros navios que, inclusive, foram afundados durante a Segunda Guerra Mundial por submarinos. Ele passou por isso tudo, sobreviveu e continua a navegar hoje em dia. Em termos históricos e de navegação, acho que deve ser um orgulho para Portugal ter um navio com esta história".
Se é uma embarcação abençoada? O oficial da Marinha prefere dizer que "os navios têm alma, e que ela é o significado que se atribui a toda a história que o navio tem".
O Creoula é operado pela Marinha desde 1987, altura em que assume a função de navio de treino de mar. Navega com uma guarnição militar de cerca de 40 elementos, de forma a poder integrar instruendos na vida a bordo.