<p>Quem nunca experimentou pode estranhar. Quem sabe do que fala, garante que se entranha. No Verão, há centenas de pessoas que ocupam as férias a cuidar dos outros. Mas também há ilusões: o voluntariado será menos romântico do que possa imaginar-se.</p>
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Um estudo da Universidade Católica estima que haja em Portugal cerca de 1,5 milhões de pessoas a consagrar o seu tempo, ou parte dele, a quem precisa. O número é generoso, "talvez até provável", mas Paulo Cavaleiro, da Assistência Médica Internacional (AMI), é cauteloso. "O voluntariado é um conceito difícil de gerir, de contabilizar e caracterizar. Acredito que haja 1,5 milhões de potenciais - sublinha potenciais - pessoas com vontade de ajudar. Mas esse número representaria 15% da população, parece-me exagerado." E justifica: "É diferente ter vontade de fazer e fazer mesmo, até porque nem sempre é fácil compatibilizar com a vida pessoal ou profissional. E depois há muito voluntariado anónimo e sazonal. E é muito heterogéneo, é difícil dizer quantos são, quanto tempo dedicam, de que forma ou a que tipo de acção".
Não é uma crítica, ressalva Cavaleiro, tanto mais que à AMI, organização que mais iniciativas e voluntários mobiliza em Portugal, chegam incontáveis "pedidos de pessoas com boa vontade, que querem dar o seu legítimo contributo." No entanto, muitas delas "chegam com aquela ideia romântica de que ajudar é ir para África, para os países mais pobres. E se não for possível cumprir essa expectativa - e muitas vezes não é, porque a prioridade é dada a pessoas com competências muito específicas, sobretudo na área da saúde -, desistem."
O padre Manuel Antunes, responsável por dois campos de férias para deficientes no santuário de Fátima, corrobora. "Não basta ter boa vontade, é preciso ter vocação e muita generosidade." Dá o exemplo do projecto que lidera há seis anos: "Trabalhamos com pessoas com limitações físicas e mentais profundas. Ficam connosco durante uma semana para que a família possa descansar um bocadinho. É um trabalho muito duro, violento mesmo. Passa por dar-lhes banho, fazer camas, acompanhá-los, alimentá-los... "
Apesar da exigência, o responsável garante que o feedback é positivo. "É muito gratificante verificar que há jovens que se privam das suas férias para vir para aqui fazer bem a quem precisa. E que se entusiasmam de verdade. E que voltam no ano seguinte." Manuel Antunes faz questão de destruir o que diz ser um mito. "Criou-se a ideia de que os jovens são egoístas e vivem alheados da realidade. Não é verdade. Quando há alguém que os motiva, são tremendamente abertos e disponíveis."
Samuel Infante, responsável pelo Centro de Recuperação de Animais Selvagens, (CERAS) em Castelo Branco, subscreve. "Mais de 80% do trabalho é assegurado por voluntários, pessoas a quem a fauna desperta simpatia e compaixão." Sobretudo ali, pelo facto de se tratar de um hospital, "funciona como catalisador". Por ano, recebem cerca 200 animais, 25% dos quais em vias de extinção, com uma taxa de recuperação de 52%. "A única coisa que pedimos aos voluntários é dedicação, sobretudo no Verão. É a altura do ano em que temos mais animais."
O membro da AMI insiste: "não há voluntariado sem responsabilidade". Daí que haja um enorme cuidado na triagem. "Às vezes precisamos de coisas que são menos românticas. Tentamos explicar às pessoas que esse trabalho é tão determinante como tudo o resto." E muitos entendem.