O "stalking" traduz-se por uma conduta obsessiva de controlo e perseguição de alguém - descrito numa novela da TVI. Um estudo mostra que mais de metade das mulheres mortas pelos parceiros sofreram, no início, esta pressão.
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Se é verdade que sempre houve casos de amantes - homens e mulheres - traídos, rejeitados ou preteridos que, não aceitando o fim da relação amorosa, passaram a "infernizar" a vida do ex-cônjuge, não se sabia, contudo, até que ponto a obsessão descontrolada pelo outro figurava nos casos de homicídio de mulheres, vítimas de violência doméstica.
"Um estudo mostrou que do universo das mulheres assassinadas, 68% tinham sido sujeitas a um prévio 'stalking' pelos maridos ou ex-companheiros", disse ontem, a jurista Cristina Borges Pinto no seminário "Perspectivas actuais sobre violência doméstica", ao referir-se ao trabalho de Claudia Coelho e Rui Abrunhosa Gonçalves, publicado em Abril de 2007, na Revista Ciências Criminais.
No plano da realidade, coube ao major Joaquim Crespo, da GNR, apresentar os dados estatísticos relativos a 2008 - ressalvando, no entanto, ainda faltarem os números de dois comandos territoriais.
A GNR assinalou, até à data, mais de dez mil queixas de crimes de violência doméstica em 2008, o que equivale a um acréscimo de quase 15% relativamente a 2007.
Ao JN, o subcomissário da PSP, António Afonso, referiu ainda não ter esta instituição os dados definitivos de 2008, mas terem sido 13050 as queixas registadas nas esquadras da PSP e 8857 nos postos da GNR.
No auditório do Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna, Carlos Farinha, da Polícia Judiciária no Funchal, questionou "até que ponto o icebergue aumentou ou é agora maior a visibilidade do mesmo".
O crime de violência doméstica ser semi-público desde 1998 foi uma das causas para a subida das queixas, referiu o major Crespo, já que "muitas denúncias são feitas por pessoas fora do agregado".
Também terá ajudado, disse, o facto do artigo 152º do Código Penal (revisto em 2007) ter definido "que já não é preciso haver reiteração". Ou seja, um acto isolado de elevada gravidade - como um espancamento - é suficiente para o agressor ser presente ao juiz.
Primeira oradora da manhã, a procuradora-geral adjunta, Cândida Almeida, introduziu o tema , aludindo à "cultura machista nas sociedades ocidentais e orientais", citando, a propósito, o Corão, (sura 30) que diz que as mulheres foram feitas para os homens, que são seres inferiores, imperfeitos e de grandes astúcias". Adiantando que nesse livro sagrado, virtuosas são as mulheres obedientes. As que não são podem ser "ensinadas" até o ficarem.
Cândida Almeida teceu ainda críticas à morosidade do legislador - Governo e Assembleia de República - na mudança das leis sobre violência doméstica. A primeira alteração ocorreu em 1995, e, em 1998, quando foi declarado crime semi-público. E lembrou que antes do 25 de Abril de 1974, "havia dispensa de pena para o homem que matasse a mulher adúltera", embora quando ocorria o contrário a mulher tivesse de cumprir pena sem ter a seu favor qualquer atenuante.
A directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) defendeu, ainda, que um agressor condenado a pena de prisão "deve ser colocado à parte" dos outros reclusos, porque não é junto de homicidas e violadores que se irá regenerar.
Ao traçar o perfil do agressor masculino - o mais comum - a docente de Direito Penal, Cristina Borges Pinto, frisou que, quando é o "transtorno explosivo da personalidade" causador de actos de violência emocional conduz sempre a danos mais graves quando o portador é o homem.
