<p>O assunto de hoje é muito capaz de provocar uma lagrimazinha de saudade em algum leitor mais antigo. Proponho-me falar do desaparecido Mercado do Anjo e é minha convicção de que há por aí muita gente, ainda rija e fera, que se lembra desse popular mercado citadino e que até o tenha frequentado, como é o meu caso. Afinal ele desapareceu já nos nossos dias, em 1952. </p>
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Para os mais novos ou para aqueles que porventura não estejam recordados, lembro que o referido mercado ficava naquele espaço a que foi dado o nome de Praça de Lisboa, ali mesmo á sombra da Torre dos Clérigos, e que actualmente está transformado num verdadeiro montão de ruínas que envergonham a cidade por estarem situadas numa das zonas mais frequentadas pelos turistas que nos visitam. Foi inaugurado em 9 de Julho de 1839, para comemorar a entrada do Exército de D. Pedro no Porto no Porto seis anos antes.
A ideia da construção do Mercado começou a ser acarinhada em 1834, logo a seguir à vitória do Liberalismo. Com efeito, no dia de Fevereiro desse ano, a Câmara do Porto aprovou em sessão da Vereação a planta do novo mercado. Mas o projecto só viria a ter concretização só cinco anos depois.
A construção do Mercado do Anjo aparece na sequência do considerável aumento da população que se começou a registar no Porto logo nos começos do século XIX. A cidade que se caracterizara pelo seu cariz fortemente comercial estava a transformar-se, por esse tempo, também, num importante pólo industrial.
O acréscimo da população resultava sobretudo do cada vez mais elevado número de pessoas que deixavam as terras do interior e se vinham fixar no Porto com o objectivo de aqui encontrar um meio de subsistência mais rendoso.
O novo mercado proporcionaria o mais fácil abastecimento de uma população em franco crescimento como possibilitaria um meio eficaz do controlo dos preços dos géneros alimentícios que, devido à falta de mão de obra, com a fuga da gente dos campos para as cidades, se inflacionavam cada vez mais.
A escolha do local para a construção do mercado, o terreno do antigo Recolhimento do Anjo (ver caixa, acima) não foi feito ao acaso. A Câmara, ao seleccionar o sitio em causa, procurou corresponder a uma antiga directiva municipal segundo a qual "os mercados públicos devem ser construídos em praças ou lugares desembaraçados em que se possam depositar as fazendas e se possam livremente vender sem incómodo dos vendedores e compradores…"
Passaram a integrar o novo espaço do Anjo, pequenos mercados de levante que funcionavam em vários sítios da cidade como, por exemplo, o que funcionava na então designada Praça de S. Bento, assim chamada por ficar defronte do mosteiro de S. Bento da Ave Maria, a actual Praça de Almeida Garrett, onde se vendiam frutas e hortaliças; o do Largo do Correio, na embocadura das ruas da Fábrica do Tabaco, agora só da Fábrica; e do Correio, a actual Rua de Conde de Vizela, onde se vendiam, também, frutas e legumes; o da Praça da Batalha, que funcionava à entrada da rua de Santo Ildefonso, onde se podiam comprar, diariamente, frutas, cebolas, flores e pão de milho.
Em 1840, um ano depois da inauguração do novo mercado, a Junta de Freguesia da Sé requereu á Câmara que se dignasse mandar restabelecer a Feira das Hortaliças nas escadas que havia junto do convento das freiras de S. Bento da Ave Maria. Mas a Câmara indeferiu o requerimento alegando haver ali perto um mercado novo construído no ano anterior que reunia as melhores condições tanto para vendedores como para compradores. Quarenta e sete anos depois era aprovado, pela mesma Câmara, o projecto da construção de uma estação ferroviária no local onde ainda estava de pé o edifício do mosteiro, mas já abandono e em ruína .
Para o Mercado do Anjo foram também transferidas, nos começos do século XX, as vendedeiras de pão que tinham as suas bancas na então chamada Praça da feira do Pão, a actual Praça de Guilherme Gomes Fernandes. Foram ocupar a parte sul do mercado. Em 1911 a Câmara transferiu para o Mercado do Anjo as vendedeiras de flores que tinham o seu mercado especifico ao cimo da Rua dos Clérigos. E em Julho de 1952 também foram levadas para o Anjo as peixeiras que actuavam no Mercado do Peixe que ficava onde agora está o Palácio da Justiça. Mantiveram-se ali até fiar pronto o Mercado do Bom Sucesso onde acabariam por se fixar. O Mercado do Peixe foi demolido para no seu lugar se construir o Palácio da Justiça.
A capela de S. Miguel o Anjo
Conta uma lenda que, viajando D. Afonso Henriques, em Novembro de 1153, na companhia da rainha D. Mafalda, de Coimbra para Guimarães, ao passar no sitio do Olival, então fora da cidade do Porto, a égua em que a rainha seguia, caiu subitamente num barranco. O monarca, naquele momento de aflição, invocou a protecção de S. Miguel o Anjo, de quem era devoto e como a rainha nada tivesse sofrido, mandou erigir, naquele mesmo sitio, uma capela em honra do protector. Foi junto a esta ermida que no ano de 1661, uma virtuosa senhor portuense, D. Helena Pereira, natural da freguesia da Vitória, tendo ficado viúva, construiu um recolhimento para"viúvas honestas" e "meninas órfãs" ( representado, em parte, no desenho junto) a que deu o nome de Recolhimento de S. Miguel o Anjo, em memória da capela que ali existia. Esta instituição acabou por ser abandonada com a extinção das ordens religiosas em 1834 e o terreno que ocupara foi aproveitado pela Câmara para a construção do mercado que tomou o nome de velhinha e lendária Ermida - o Anjo.